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De Gaza até a Ucrânia, a guerra em tempo real chega ao cinema

A 15 quilômetros da cidade de Gaza, sob uma tenda montada em um campo de refugiados, cerca de 250 pessoas se reuniram diante de uma TV de 55 polegadas alimentada por um gerador para assistir a um dos filmes mais impactantes do ano: A Voz de Hind Rajab (Sawt Hind Rajab, Tunísia/França/Estados Unidos, 2025), que abriu o Festival Internacional de Cinema de Mulheres de Gaza no fim de outubro. Vencedor do Leão de Prata em Veneza, o longa retrata a história real da garota palestina de 5 anos cujo carro em que fugia com os tios e primos foi alvejado por militares israelenses em janeiro de 2024. Cercada por corpos, a criança que batiza o filme consegue contato por telefone com agentes da organização humanitária do Crescente Vermelho — que se esforçam para acalmá-la enquanto tentam, desesperadamente, liberar uma rota segura para que socorristas cheguem até ela. “Saudações aos amantes da vida em meio à morte”, disse o presidente do festival em Gaza, Ezzaldeen Shalh, antes da sessão.

Dirigido pela tunisiana Kaouther Ben Hania e representante do país africano no Oscar, o longa que chega aos cinemas brasileiros em janeiro é o exemplar mais recente e emotivo de uma leva de tramas que correram contra o tempo para pontuar e denunciar os horrores de guerras ainda em curso — oferecendo recortes dramáticos entre o caos das coberturas ostensivas do noticiário e das redes sociais. Desse olhar atualíssimo e desafiador saíram também a série antológica One Day in October, da HBO Max, que dramatiza o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, que matou 1 200 pessoas, além de documentários como 20 Dias em Mariupol e Sem Chão — ambos venceram o Oscar nos dois últimos anos ao retratar, respectivamente, os conflitos entre Rússia e Ucrânia, que totaliza até o momento 350 000 militares e 14 300 civis mortos, e entre Israel e Hamas — com mais de 67 000 vítimas que morreram, sendo a maioria delas civis palestinos.

DORES REAIS - O documentário Sem Chão (acima) e a série dramatizada One Day in October: o perigo em cena
DORES REAIS – O documentário <em>Sem Chão</em> (acima) e a série dramatizada <em>One Day in October</em>: o perigo em cenaAntipode Films; Fox Entertainment Studios/.

Gênero recorrente no cinema, as dramatizações de guerra costumam olhar para os conflitos em retrospecto. Se hoje longas sobre o Holocausto ainda chocam com os horrores do passado, as tramas que se debruçam sobre o presente carregam o peso angustiante de serem consumidas ao mesmo tempo que os horrores vistos na tela se repetem nas zonas de conflito. Registrar esse ambiente violento não é fácil: diretora de A Voz de Hind Rajab, Ben Hania conheceu a história através de trechos do pedido de socorro da garota que viralizaram nas redes sociais. Depois de ouvir a gravação completa, trabalhou no filme por um ano, usando pedaços reais da ligação na trama. “Às vezes, o que você não vê é mais devastador do que o que você vê”, explicou certa vez sobre a escolha de usar uma tela preta nas partes em que a voz de Hind é reproduzida. No caso dos documentários, a produção costuma ser mais rápida, mas é preciso colocar-se em perigo. Co-diretor de Sem Chão, Hamdan Ballal foi detido por soldados israelenses três semanas depois do Oscar. Ele alega que foi espancado e que ouviu deboche dos militares sobre o prêmio. Além da violência, há ainda a falta de estrutura causada pela guerra. Os jornalistas responsáveis por 20 Dias em Mariupol, por exemplo, arriscaram a vida filmando a cidade sitiada por três semanas. Para enviar as imagens para a redação, se empoleiravam em escadas buscando algum sinal de internet. “Queria nunca ter feito esse filme”, declarou o diretor Mstyslav Chernov ao receber o Oscar. Apesar da realidade dolorosa, o cinema se recusa a fechar os olhos.

Publicado em VEJA de 7 de novembro de 2025, edição nº 2969

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