Para além das questões climáticas, uma das preocupações do presidente da COP30, André Corrêa do Lago, sempre foi aproveitar o evento para mostrar ao munto a rica cultura do norte do país. A ideia era fugir dos ícones folclóricos para apresentá-la de forma integrada à contemporaneidade, de tal forma que o público entenda que é possível consiliar com harmonia o desenvolvimento e o regionalismo. Daí, nasceu a coleção de camisas de linho com o corte da alfaitaria tradicional, em tons clássicos, bordada com detalhes do grafismo marajoara, que vai compor o visual da delegação brasileira, a partir da próxima segunda-feira, 10, quando a COP30 começa oficialmente, em Belém.
O presidente Luíz Inácio Lula da Silva ganhou uma, na quinta-feira, da estilista paraense Val Valadares, que desenvolveu as peças. Assim que acabou a abertura da Cúpula dos Líderes, colocou a peça e saiu pelos corredores, exibindo o look: camisa branca de linho com uma faixa estampada fina na vertical. Posou para foto com ela, ao lado de Emmanuel Macron, presidente da França. Já a primeira-dama recebeu o seu quimono nesta sexta-feira, que a estilista criou para as mulheres da deelçagão da COP30. Ele também é branco e tem um barrado discreto com a estampa marajoara. Corrêa do Lago comprou sete camisas para usar durante o evento, uma para cada dia da semana. “Como faltou patrocínio para que a presidência da COP30 adiquirisse as roupas para a equipe, todos resolveram aderir ao projeto pagando pela própria roupa”, conta Isabel Schmidt, que foi incubida achar uma estilista que desse conta do recado.
Foi com a ajuda do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que ela achou a paraense Val Valadares, de 59 anos, que havia ganhado uma certa evidência na região desde que Elder Barbalho, governador do estado, passou a comprar dela camisas de vaqueiro. Mas a oportunidade de estar na COP30 veio de uma seleção que o Sebrae paraense fez na região justamente para o desenvolvimento de uma coleção cápsula para evento. Participaram 120 empresas. “Não tinha talento para fazer nada muito colorido, nem muito menos que usasse o latex, que é um material bem regional”, conta a estilista. Val escolheu o linho puro e o grafismo dos vasos marajoaras para concorrer. E ficou entre as quatro finalistas.
A cultura marajoara foi desenvolvida pelos povos indígenas, que habitaram a Ilha de Marajó, no estado do Pará, antes da chegada dos europeus. Trata-se de uma das mais complexas civilizações, que floresceu entre 400 e 1300 d.C., cujo um dos legados foi a cerâmica, famosa pelos desenhos geométricos e representação de figuras humanas e animais, que expressam aspectos religiosos, sociais e cotidianos do povo.
A importância da cultura marajoara para o norte do Brasil é profunda: ela simboliza a identidade amazônica e a ancestralidade dos povos originários, mostrando que a região já abrigava civilizações organizadas e sofisticadas muito antes do contato europeu. Além de seu valor histórico e arqueológico, essa herança influencia até hoje o artesanato, a arte, o design e o turismo na região.
Isabel ficou encantada com o trabalho de Val, devido ao precioso acabamento. Os botões da camisa são de machateria, desenvolvida pelo artesão Carlos Euclides, que também se inspirou no grafismo marajoara para compor o look das camisas da Val. “Meu objetivo sempre foi fazer uma coleção que fosse usada no dia a dia, por pessoas que ocupam diferentes posições no trabalho”, conta a estilista, que viu surgir uma excelente oportunida de de crescimento. O Sebrae ajudou muito as empresas se profissionalizarem. Era apenas uma costureira que tinha um ateliê, mas faltava a profissionalização necessária, principalmente para dar conta de uma coleção e vender pela internet, como eu faço agora”. As camisas marajoaras da COP30 custam a partir de 600 reais. Val já vendeu 500 peças. E vai expô-las na Green Zone. Nascida em uma comunidade quilombola do estado, apresendeu a ler sozinha, até que foi adotada por uma família da capital e finalmente chegou a um colégio. Hoje, com a COP30, fez o que parecia impossível: produzir uma roupa para o presidente do Brasil vestir.