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Com a exibição de novas armas potentes, Putin dá demonstração de força e irrita Trump

Sentado à mesa com veteranos de guerra em um elegante chá da tarde com direito a bolos finos, Vladimir Putin fez um anúncio que deu uma abrupta cortada no clima ameno na suntuosa repartição governamental: era quarta-­feira 29 de outubro, e o presidente contou que a Rússia havia testado um portentoso torpedo de alta propulsão e capacidade nuclear que poderia alcançar, segundo a orgulhosa propaganda, o dobro da potência da maior bomba atômica já submetida à simulação de um ataque até então. “Não existe nada igual”, gabou-se o líder russo sobre o armamento batizado de Poseidon. Não satisfeito, uns dias depois exibiu o submarino nuclear onde o artefato ficaria alojado e ainda promoveu um ensaio com um míssil de cruzeiro de autonomia infinita. Toda essa demonstração de força, feita sob medida para o Ocidente ver, compõe uma calculada estratégia de Putin de testar limites e empurrar para frente o máximo que pode o desfecho do conflito com a Ucrânia, uma batalha que já se aproxima dos quatro anos e que, acredita ele, quanto mais durar, maiores ganhos pode trazer a Moscou.

Em um tabuleiro político tão belicoso, a jogada do russo não poderia colher outro resultado que não irritar Donald Trump. A bordo do Air Force One, antes de um muito aguardado encontro com o chinês Xi Jinping, o presidente americano, que se ressente de não ter conseguido mover uma única peça importante no intrincado xadrez, anunciou: já havia dado a ordem para a retomada de testes com armas nucleares, algo de que não se fala nos Estados Unidos desde o fim da Guerra Fria, nos anos 1990. Ninguém aposta em um conflito em que tais aparatos sejam de fato usados, mas o bateu-levou entre Putin e Trump não é acontecimento isolado nem fugaz. Ao contrário: faz parte de uma subida de tom que torna as costuras em torno da paz mais difíceis de serem tecidas. “Cada movimento de provocação russa serve a um propósito claro: pôr à prova a habilidade de americanos e europeus de coordenarem uma resposta conjunta, o que está longe de ocorrer”, avalia Christo Kostov, professor de estudos de guerra da Schiller International University, em Madri.

Nesse contexto de ânimos exaltados, uma cúpula prevista para juntar Trump e Putin em Budapeste, na Hungria, foi recém-cancelada após uma ligação entre o secretário de Estado americano, Marco Rubio, e o ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov. A Casa Branca preferiu silenciar em relação ao recuo, mas o que se deixou ventilar é que, diante das tão divergentes posições, não valeria a pena colocar as engrenagens da diplomacia para funcionar em prol de uma reunião presencial que teria tudo para acabar como a do Alasca, três meses atrás, com palavras ao vento. “Putin deveria terminar com a guerra, que era para ter durado uma semana, em vez de testar mísseis”, falou Trump, envolvido em um debate sobre se fornece ou não os famosos mísseis Tomahawk à Ucrânia. O arsenal daria a Kiev a chance de atingir alvos em áreas mais remotas do território russo e poderia ser decisivo, só que o americano pisa no freio por saber que atiçaria com isso os mais belicosos instintos de Putin.

DESTRUIÇÃO - Marcas da recente incursão inimiga: Kiev vem perdendo terreno
DESTRUIÇÃO - Marcas da recente incursão inimiga: Kiev vem perdendo terrenoDmytro Smolienko/NurPhoto/Getty Images

A cautela do presidente americano não significa que esteja jogando parado. Depois de mais uma recusa russa em criar condições para o cessar-fogo, Trump anunciou sanções às duas maiores companhias petrolíferas do país. Não é um golpe capaz de desacelerar a máquina da guerra, mas impõe ainda mais estragos à já bastante castigada economia local. A inflação, por exemplo, atingiu o patamar de 8% em setembro, o dobro da meta estabelecida pelo Banco Central. Por outro lado, até aqui a Rússia vem conseguindo driblar os prejuízos impostos pelas sanções — em grande medida, graças ao crescimento das exportações a China e Índia e à manutenção parcial da venda de commodities à Europa, incluindo no rol também petróleo e gás, dos quais o continente ainda depende. Além de contar com esse tipo de compensação, Putin vem trabalhando no limite da irresponsabilidade para evitar que a Rússia vá à bancarrota, segundo muitos analistas. “Ele paga trabalhadores e soldados com rublos que seu Banco Central pode imprimir na quantidade que bem quiser ou que seu serviço de impostos arrecada das empresas, algo não sustentável no longo prazo”, diz o economista Vladislav Inozemtsev, do Centro de Análises e Estratégias na Europa.

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Do lado ucraniano, a guerra chegou a um ponto delicado. Até o fim do ano, o conflito terá custado ao país 360 bilhões de dólares, quantia superior ao PIB da nação governada por Volodymyr Zelensky. A escalada da conta racha os líderes da União Europeia, cujo aporte de dinheiro ao aliado só fica atrás do que desembolsam os americanos. Em recente reunião, expoentes do bloco não conseguiram chegar a um consenso sobre um novo empréstimo à Ucrânia, que seria garantido por ativos russos congelados. Como o montante fica sob os cuidados da Bélgica, que é contra a liberação dos recursos, por enquanto tudo fica como está: paralisado.

Aproveitando toda e qualquer brecha, Putin tratou de avançar uma casa na semana passada, ao despachar para a região ucraniana de Donetsk cerca de 170 000 soldados. Faltava ali à Rússia entrar na estratégica cidade de Pokrovsk, o que conseguiu agora. Com o inverno à espreita, e cada vez mais baixas de civis, o cenário exige um retorno a conversas que conduzam verdadeiramente à paz.

Publicado em VEJA de 7 de novembro de 2025, edição nº 2969

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