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O agro como solução para as questões climáticas

No dia 10 de novembro começa a 30ª edição da “Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025”, a COP30 em Belém (PA), com delegações de diversos países que vêm compartilhar boas práticas, preocupações e compromissos. A fim de contribuir com as discussões, publicamos aqui importante documento global que circulou em diversos países, agora traduzido para o português para facilitar ao público do Brasil. Interessados na versão em inglês podem nos contactar para envio do documento oficial.

A carta e os tópicos abaixo foram discutidos e elaborados por cerca de 600 profissionais, entre cientistas, políticos, professores, pesquisadores, estudantes, e outros agentes do agro global, de 40 países diferentes, durante os 5 dias da 35ª edição do mais importante fórum mundial de agronegócios – a Conferência Mundial IFAMA (International Food and Agribusiness Management Association) – que foi realizada pela primeira vez no Brasil, na cidade de Ribeirão Preto em junho de 2025, organizada pela Harven Agribusiness School e FB Eventos. A carta foi entregue ao Embaixador e presidente da COP30, André Aranha Corrêa do Lago e ao Ministro Roberto Rodrigues, representante do agro na COP, com as mensagens do agro global para a COP. Segue aos leitores da nossa coluna, dividida na contextualização do problema e as soluções do agro.

1- Problema: a necessidade de aumentar a produção de alimentos e bioenergia para atender ao crescimento populacional, combater a fome e preservar o meio ambiente

Em 2024, a população mundial atingiu 8,2 mil milhões de habitantes, e algumas regiões continuam registrando um rápido crescimento populacional e de urbanização. De acordo com projeções das Nações Unidas, em 2050 o número de pessoas no mundo deverá atingir 9,6 mil milhões. O crescimento populacional (a), o aumento da renda per capita (b), o envelhecimento da população (c) e a urbanização (d) resultam em um crescimento significativo da demanda global por alimentos, fibras e energia.

Um estudo publicado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, USDA (2025), mostra que as importações das principais commodities agrícolas devem crescer significativamente nos próximos 10 anos, com destaque para o arroz (+30,7%), carne suína (+26,6%), soja (+25,6%), carne de frango (+25,3%), milho (+22,1%), algodão (+21,0%), carne bovina (+17,8%) e trigo (+12,1%). Além disso, em 2024, mais de 295 milhões de pessoas em 53 países enfrentaram níveis agudos de fome, de acordo com o “Relatório Global sobre a Crise Alimentar”, o que representa um aumento de quase 14 milhões de pessoas em relação a 2023.

Ilustrando apenas com dois produtos importantes ao consumo global, na soja em 10 anos o consumo anual saltou de 317 para 425 milhões de toneladas, 11 milhões adicionais por ano, mas nos 3 últimos anos o consumo aumentou 58 milhões de toneladas ou 19 milhões por ano. No milho, em 10 anos o consumo global salta de 1,017 bilhão para 1,28 bilhão de toneladas, total de 27,3 milhões adicionais por ano, mas também houve aceleração nos últimos 3 anos, com o consumo aumentando 113 milhões de toneladas ou 37 milhões por ano.

Resumindo, o mundo precisa aumentar a produção, protegendo o meio ambiente e otimizando o uso dos recursos. Esse é o grande desafio. E como pode o agro ajudar nesse processo?

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Marcos Fava Neves e Aidan Connoly
Marcos Fava Neves, líder da Conferência e Chanceller da Harven Agribusiness School, e Aidan Connoly, presidente da Associação Global de Agronegócios (IFAMA)./Divulgação

2- O agronegócio como solução para as mudanças climáticas: tecnologias e inovações para aumentar a eficiência e a sustentabilidade na produção de alimentos, bioenergia e fibras

Existem duas frentes possíveis para expandir a produção de alimentos, bioenergia e outros produtos agrícolas de forma sustentável. São elas:

a) Crescimento horizontal da produção: aumento de uso da terra para cultivo agrícola, alocando áreas subutilizadas ou com baixos níveis de produtividade, tais como áreas de pastagem degradadas;
b) Aumento da produtividade por área: desenvolvimento de inovações e tecnologias que possibilitem ganhos de produtividade e reduzam o desperdício de recursos.

Para crescer de forma sustentável, é necessário fazer um inventário das tecnologias e inovações que foram desenvolvidas e utilizadas pelos agentes do agro, a fim de demonstrar que o setor pode ser a principal solução para o desafio apresentado. O inventário está segmentado em 5 categorias, de acordo com áreas e funções e foram resumidos abaixo.

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1) O uso de sistemas de produção sustentáveis e agricultura regenerativa

  • Recuperação de áreas de pastagem degradadas e conversão para a agricultura e silvicultura;
  • Rotação de culturas e adubação verde: utilização de espécies que melhoram as características físicas, químicas e biológicas do solo e do ambiente de produção;
  • Sistema de plantio direto na palha: manutenção da cobertura vegetal sobre o solo para prevenir a erosão, favorecer a microbiota do solo e reduzir revolvimentos e/ou melhorar preparação do solo;
  • Sistemas integrados: Agricultura-Pecuária-Silvicultura (APPS), sistemas agroflorestais e consórcios de culturas;
  • Cultivo de florestas plantadas: aumento da captura de carbono e produção de papel/celulose, principal substituto do plástico;
  • produto reciclável e biodegradável;
  • Cultivo vertical: plantas cultivadas em camadas verticais, uma solução específica para grandes cidades e ambientes urbanos, facilitando a logística;
  • Cultivo protegido, hidroponia e aeroponia: uso de ambientes protegidos e equipamentos que permitem o cultivo de plantas sem a necessidade de terra/solo;
  • Cultivo biológico: redução ou não utilização de produtos químicos na produção agrícola;
  • Possibilidade de converter áreas áridas, desérticas ou de savana em ambientes adequados para a agricultura;
  • Economia circular: integração de produtos e subprodutos de diferentes cadeias de produção para gerar novos produtos e/ou insumos, aumentando a eficiência e reduzindo a eliminação de resíduos.

2) O uso de tecnologias aplicadas às cadeias de produção de alimentos

  • Irrigação de precisão: uso da água para aumentar a produtividade por área e reduzir o desperdício;
  • Tecnologias para previsão do tempo: estações de monitoramento, software e bancos de dados para previsão de chuva, seca, geada e outros eventos; melhor gestão das mudanças climáticas;
  • Máquinas e equipamentos de última geração: tratores, colheitadeiras, plantadeiras, pulverizadores, distribuidores de fertilizantes e outras máquinas como robôs e veículos autônomos, ajudando a otimizar as operações e movidos a combustíveis renováveis;
  • Drones e veículos não tripulados (UAVs): mapeamento de áreas, pulverização direcionada e outras operações agrícolas;
  • Agricultura por m²: uso de imagens de satélite, mapas ou sensores para realizar operações direcionadas, aumentando a produtividade (assertividade) e reduzindo o uso de insumos;
  • Aumento da cobertura de internet pelas empresas tradicionais e desenvolvimento de redes próprias para operação integrada com centros de controle. Big Data, IoT e armazenamento de dados em nuvem: captura e processamento permanente de dados sobre culturas, clima, pragas, doenças e outros aspectos, para melhorar a assertividade do agricultor usando dados para a tomada de decisões;
  • Inteligência artificial: análise de mapas, identificação de pragas e doenças, otimização da irrigação, previsão do tempo, análise de mercado e muitos outros usos;
  • Blockchain e rastreabilidade: registro de todas as etapas e fluxos de um produto ao longo de uma cadeia produtiva, garantindo transparência e segurança para o consumidor final e reduzindo o desperdício;
  • Marketplaces e ambientes online: uso de plataformas online para venda de alimentos, negociação de insumos agrícolas e outros produtos relacionados ao setor, reduzindo os custos de transação;
  • Comunicação digital: ampliar o acesso à informação, partilhar a rotina dos players do setor e aproximar os consumidores e os diferentes elos da cadeia produtiva;
  • Impressão 3D e cultura celular: tecnologias para produzir alimentos usando impressoras ou cultura celular em laboratório; uma solução ainda em desenvolvimento e com potencial para alguns nichos;
  • Educação digital e uso do multiverso: usar a tecnologia digital para a formação profissional no setor e melhorar a eficiência das pessoas e a produtividade dos recursos;
  • Todas as tecnologias envolvidas na pós-colheita, conservação de alimentos, armazenamento de alimentos e outras para reduzir o desperdício alimentar.

3) O uso de bioinsumos e técnicas genéticas

  • Biodefensivos: inseticidas, fungicidas, nematicidas, biofertilizantes e bioestimulantes utilizados para controlar pragas, doenças, nematoides e outros problemas fitossanitários, reduzindo o uso de produtos químicos e fertilizantes minerais e químicos;
  • Bioinsumos em saúde animal e alimentação animal: vacinas, medicamentos e outros de origem biológica;
  • Fitoquímicos e semioquímicos: substâncias repelentes ou atrativas naturais utilizadas na agricultura;
  • Melhoria genética: melhoria das plantas para se adaptarem a diferentes características do solo e do clima (solo, temperatura, precipitação e outros); e maior resistência às mudanças climáticas;
  • Biotecnologias: uso de organismos vivos na modificação genética de plantas, para otimizar o controle de pragas, doenças e ervas daninhas, aumentar a produtividade e reduzir a necessidade do uso de produtos químicos na agricultura. Biologia sintética e celular, edição de genes CRISPR e nanotecnologia em plantas e animais.

4) O uso de tecnologias para geração de energia

  • Etanol: uso de cana-de-açúcar, milho, cereais, beterraba e outras culturas agrícolas para produção. Potencial para reduzir as emissões em até 70% em comparação com a gasolina;
  • Biodiesel: uso de soja, palma, canola, óleo de mamona e outras culturas agrícolas, além de óleos animais. Potencial para reduzir as emissões em até 90% em comparação com o diesel;
  • Biogás: produzido através da digestão anaeróbica de matéria orgânica, como vinhaça, torta de filtro e bagaço de cana-de-açúcar. Há também grande potencial para o uso de resíduos da produção animal;
  • Biometano: digestão anaeróbica de resíduos orgânicos, como esterco animal, resíduos agroindustriais e outros. Redução em até 90% das emissões em comparação com o gás natural;
  • Combustível de aviação sustentável: produzido a partir de matéria orgânica de origem vegetal ou animal, tendo o etanol como uma das principais matérias-primas para a sua produção, com potencial de redução de emissões de gases em até 80%;
  • Hidrogênio verde integrado às agroindústrias: produzido através da eletrólise da água;
  • Eletricidade a partir da biomassa: produzida a partir do bagaço da cana-de-açúcar e do licor negro, um subproduto da indústria de papel e celulose. Outros produtos incluem resíduos de madeira, casca de arroz e plantas forrageiras;
  • Energia solar e eólica: utilização de propriedades rurais para a instalação de equipamentos solares ou eólicos com o objetivo de produzir eletricidade;
  • Veículos leves movidos a biocombustíveis: tecnologias da indústria automotiva para conversão de motores ao uso de biocombustíveis, híbridos e outras fontes energéticas. Veículos pesados movidos a biocombustíveis: indústrias de tratores, camiões, ônibus e outras indústrias convergindo para motores movidos a biodiesel, biogás e etanol;
  • Carro elétrico movido a etanol: utilização do etanol como matéria-prima para a produção de bioeletricidade, que alimentará veículos elétricos com baixas emissões;
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5) Políticas Públicas

  • Pagamento por serviços ambientais: incentivo à manutenção de áreas preservadas nas propriedades rurais, com o apoio financeiro de empresas comprometidas com a conservação e o manejo sustentável das florestas;
  • Pagamento por descarbonização nas propriedades rurais: mecanismos que reconhecem e remuneram o estoque de carbono no solo, bem como práticas agrícolas de baixo carbono que contribuem para a neutralidade climática;
  • Programas de descarbonização da bioenergia: fomento à comercialização de créditos de carbono gerados por empresas produtoras de bioenergia, incentivando a redução efetiva das emissões;
  • Programas internacionais de incentivo aos biocombustíveis: exemplos como o Renewable Fuel Standard (RFS) nos Estados Unidos, Proálcool, Renovabio e Combustível do Futuro no Brasil, as Diretrizes de Energia Renovável na União Europeia, a Política Nacional de Biocombustíveis na Índia e o Clean Fuel Regulations (CFR) no Canadá, demonstram o compromisso global com fontes renováveis e limpas de energia;
  • Políticas ambientais robustas: códigos florestais que asseguram a preservação de áreas naturais nas propriedades rurais, proteção dos recursos hídricos, além da proibição de queimadas e de atividades que resultem em elevadas emissões de carbono.
Roberto Rodrigues, Marcos Fava Neves e Aidan Connoly.
Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura do Brasil e Embaixador da FAO, Marcos Fava Neves, líder da Conferência e Chanceller da Harven Agribusiness School, e Aidan Connoly, presidente da Associação Global de Agronegócios (IFAMA)./Divulgação

3- Conclusão – A Mensagem à COP 30 em Belém

Existem tecnologias e inovações em diversos produtos e soluções que vêm sendo desenvolvidas e aplicadas pelo agronegócio global na busca por ampliar a produção de forma sustentável.

O objetivo ao apresentar este inventário à COP 30, que será realizada em Belém em 2025, foi de demonstrar, de maneira sólida e consistente, que a agricultura pode ser parte da solução para as mudanças climáticas, desde que políticas públicas e estratégias privadas sejam direcionadas para a ampliação do uso dessas tecnologias economizadoras de recursos, propulsoras da produtividade e da conservação ambiental. É esta a direção a ser tomada.

Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) da Faculdades de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) e fundador da Harven Agribusiness School (Ribeirão Preto – SP). É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em doutoragro.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves). Agradecimentos a Aidan Conolly (Presidente do IFAMA), Vinícius Cambaúva e Rafael Rosalino. Email: favaneves@gmail.com

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