As famílias brasileiras gastam em torno de 30% de suas rendas para pagar dívidas — e esse valor não considera os custos atuais de habitação. Qual o impacto das apostas esportivas nesse percentual? A LCA Consultoria Econômica produziu um levantamento que respondeu a essa pergunta: o impacto é de menos de 0,5%.
Realizada a pedido do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), a análise indica que o mercado de apostas não gerou uma crise sistêmica de endividamento das pessoas. Esse serviço representa entre 0,2% e 0,5% do consumo total das famílias brasileiras, e entre 0,1% e 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB).
O que significa que a grande dificuldade dos cidadãos em reduzir o comprometimento da renda com dívidas se explica por outros fatores, como as altas taxas de juros cobradas pelos bancos, conforme afirma André Gelfi, diretor conselheiro e cofundador do IBJR. “O sistema financeiro formal cobra juros que chegam a 451% ao ano no cartão de crédito rotativo e mantém um spread bancário de 31,5%, o terceiro maior do mundo, segundo o Fundo Monetário Internacional.”
Em 2024, as famílias brasileiras pagaram aproximadamente 860 bilhões de reais em juros sobre crédito, segundo dados do Banco Central e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Enquanto isso, em 2025, o mercado regulado de apostas deve movimentar um valor muito menor: cerca de 38 bilhões de reais, de acordo com outro estudo, este realizado pela LCA e pelo Instituto Locomotiva para o IBJR.
Na avaliação de Gelfi, existe outra questão que impacta esse cenário e se soma ao alto custo do acesso ao crédito no Brasil: o mercado ilegal de apostas esportivas. “Ambos os fenômenos, em escalas diferentes, afetam a renda disponível e o equilíbrio financeiro das famílias. Se o objetivo é proteger a renda do consumidor, o debate responsável precisa mirar o crédito caro e a clandestinidade — duas frentes que drenam o poder de compra e merecem igual rigor”, defende o diretor.
Ataque à ilegalidade
Desde janeiro de 2025, quando entraram em vigor as regras do Ministério da Fazenda para apostas e jogos online de quota fixa, consolidou-se o mercado regulado no país. As empresas licenciadas devem cumprir uma série de exigências, como o registro no Brasil, com pelo menos 20% do capital social de origem nacional; o pagamento de 30 milhões de reais por uma licença válida por cinco anos; a manutenção de 5 milhões de reais em conta garantida; e a proibição de acesso a menores de 18 anos.
No campo tributário, seguindo as regras estabelecidas pelo Governo Federal, as empresas que ingressaram no mercado formal realizaram um aporte inicial de R$ 30 milhões para obter a autorização de operação. Sobre a atividade, incide um modelo de tributação sobre o consumo, composto por 12% sobre a Receita Bruta de Jogos (GGR), ou seja, o valor apostado menos o retorno pago aos jogadores, somado a PIS, Cofins e contribuição previdenciária, resultando em uma carga total próxima de 25% sobre o consumo. Além disso, as operações contribuem com tributação sobre a renda, como o IRPJ e a CSLL, bem como com a taxa de fiscalização e controle, que também compõe o custo regulatório da atividade. Esses recursos são destinados a atividades estratégicas, como esporte, turismo, segurança pública, seguridade social e educação.
“Mesmo sendo um setor regulamentado há poucos meses, as apostas reguladas já demonstram seu potencial econômico e social. Apenas até setembro de 2025, o segmento arrecadou 6,85 bilhões de reais em tributos, contribuindo para áreas essenciais da sociedade brasileira. Trata-se de uma atividade que cumpre um papel relevante na economia formal, mas que enfrenta uma carga tributária robusta e um cenário de insegurança jurídica decorrente das constantes tentativas de alteração nas regras fiscais”, diz Gelfi.
Aliás, os brasileiros entendem que as apostas são entretenimento, e não investimento — é o que 70% deles afirmaram para uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Para a consolidação desse cenário, no entanto, é crucial atacar a ilegalidade, que segue elevada: o levantamento da LCA e do Locomotiva aponta que cerca de 51% das apostas ainda acontecem em plataformas clandestinas, sem nenhum tipo de fiscalização ou proteção, o que representa uma perda de mais de 10 bilhões de reais anuais em arrecadação para o país.
Além disso, 87% dos apostadores ouvidos defendem que o poder público atue de forma mais rigorosa contra essas operadoras ilegais, evidenciando uma preocupação social e econômica real com o tema. Eles entendem que as plataformas clandestinas oferecem uma série de perigos, como o risco de fraude e não pagamento, a ausência de suporte ao apostador e a possibilidade de o canal ser utilizado para lavagem de dinheiro. “A divulgação das plataformas ilegais se dá basicamente nas redes sociais, que precisam adotar medidas mais firmes para coibir essa prática”, afirma Gelfi.
Ação informativa
A partir dessa constatação, o IBJR promove a campanha Chega de Bode na Sala, criada pela agência We, com o objetivo de educar o público e mobilizar as autoridades sobre os riscos do mercado clandestino. A campanha, que está no ar entre setembro e dezembro de 2025, inclui o lançamento do Betalert, hotsite interativo que permite ao usuário verificar se uma plataforma é licenciada pelo governo federal.
“A ação deu um passo importante ao transformar um problema invisível em uma pauta pública, explicando de forma didática como identificar plataformas seguras e por que a regulamentação é fundamental para proteger o consumidor e fortalecer o setor”, diz Gelfi. A proposta do IBJR, em suma, é ampliar o debate sobre formas eficazes de atacar o alto nível de endividamento dos brasileiros em duas frentes. “Propomos um debate honesto e equilibrado, sem moralismos, sobre as forças que de fato compõem o orçamento das famílias”, sintetiza o diretor.