counter A VEJA, prefeito de Londres, Sadiq Khan, desafia Trump e a polarização em defesa do clima – Forsething

A VEJA, prefeito de Londres, Sadiq Khan, desafia Trump e a polarização em defesa do clima

Na última segunda-feira (9), o prefeito de Londres, Sadiq Khan, desembarcou no Rio de Janeiro para participar do Fórum de Líderes Locais, promovido pela C40 Cities, rede que reúne cem das maiores metrópoles do planeta comprometidas com a ação climática. O encontro, realizado no Museu do Amanhã e que antecede a COP30 de Belém, reuniu prefeitos, governadores e representantes internacionais para discutir soluções urbanas para a transição verde, especialmente em países em desenvolvimento.

Durante a passagem pela cidade, Khan — que preside a C40 desde 2021 — conversou com VEJA sobre o papel das cidades na redução das emissões de carbono, o desafio de enfrentar a desigualdade social sem frear o crescimento e as resistências políticas à agenda ambiental. Em um momento em que o debate climático se torna cada vez mais polarizado, o prefeito defende que as grandes metrópoles têm uma vantagem sobre os governos nacionais: “Estamos na linha de frente. As cidades estão mostrando que é possível agir rápido, gerar empregos e ainda ser reeleito”.

Khan elogiou as políticas do Rio de Janeiro para reduzir a poluição, comentou os ataques que recebe de líderes populistas como Donald Trump e reforçou que a transição verde deve ser “uma oportunidade, não um fardo”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

A transição verde ainda convive com profundas desigualdades. Como garantir que ela reduza a distância social, em vez de ampliá-la?
Se olharmos para as consequências das mudanças climáticas, veremos que são os mais pobres, justamente os menos responsáveis por esse problema — que sofrem os piores impactos. Isso é verdade dentro das cidades e também em escala global. Países do Sul Global, como o Brasil, estão pagando o preço por séculos de políticas do Norte Global. Por isso, transformar essa crise em uma oportunidade é fundamental.

Quem mora perto das vias mais movimentadas, por exemplo, sofre mais com a poluição do ar. Ao enfrentarmos isso, melhoramos a qualidade de vida e a expectativa de vida dessas pessoas. Se tornamos o transporte público mais acessível, reduzimos o uso do carro e, ao mesmo tempo, beneficiamos quem tem menos recursos. E, olhando para o futuro, os empregos não estarão mais no carvão, no petróleo ou no gás, mas em setores como energia renovável, construção sustentável e tecnologias limpas.

Continua após a publicidade

Essa é, acima de tudo, uma questão de justiça social e racial. Em Londres, estamos ampliando ciclovias, alargando calçadas, congelando tarifas de ônibus e oferecendo subsídios para substituir veículos poluentes. Também adotamos medidas simples, como ajudar famílias com o custo de vida e oferecer alimentação escolar gratuita. É possível transformar essa crise global em uma oportunidade — em Londres, no Rio, em qualquer lugar.

Você costuma dizer que prefeitos estão na linha de frente da crise climática. Que tipo de liderança as cidades podem oferecer quando os governos nacionais falham?
A urbanização faz com que cada vez mais pessoas se mudem para as cidades, onde estão os empregos, mas também os riscos climáticos. Metade da população mundial vive em áreas urbanas, que respondem por 70% das emissões. Ou seja, fomos parte do problema e agora precisamos ser parte da solução.

A boa notícia é que quase 90% das cidades da C40 estão reduzindo emissões mais rapidamente que seus governos nacionais. E cerca de três quartos delas já atingiram o pico de emissões e agora estão em queda. Isso mostra que as políticas locais funcionam e, o mais importante, são populares. Prefeitos em cidades como Londres, Paris ou Rio estão sendo reeleitos porque as pessoas veem resultados. Isso deveria inspirar presidentes e primeiros-ministros.

Continua após a publicidade

Sua expansão da zona de baixas emissões em Londres gerou forte resistência. Que lições isso oferece a cidades brasileiras?
Políticos precisam ser estudantes e professores. Eu mesmo só entendi a gravidade da poluição do ar há cerca de dez anos — ela mata 7 milhões de pessoas por ano no mundo, provoca doenças respiratórias, câncer e até demência.

Por isso, primeiro investimos em educação: instalamos monitores de qualidade do ar e explicamos o problema à população. Depois, criamos políticas para enfrentá-lo: zonas de ar limpo, incentivos para trocar veículos poluentes e expansão gradual dessas áreas. Sempre há uma minoria barulhenta, apoiada por interesses econômicos, tentando barrar essas medidas. É preciso resistir. O prefeito do Rio tem feito um ótimo trabalho ao implementar ônibus menos poluentes e zonas de baixas emissões.

O senhor fala muito em “empregos verdes”. O que Londres tem feito nesse campo?
O futuro do trabalho depende da nossa capacidade de unir prosperidade e sustentabilidade. A automação e a inteligência artificial já estão mudando a economia, então precisamos de empregos “à prova do futuro”. Quem vai fabricar turbinas eólicas, painéis solares, ônibus e carros elétricos? Quem vai instalar sistemas de eficiência energética?

Continua após a publicidade

Em Londres, queremos dobrar o tamanho da economia verde até 2030. Criamos programas de capacitação para formar eletricistas, encanadores e construtores em novas tecnologias. É isso que significa “transição justa”: apoiar as pessoas na mudança de um modelo antigo para um novo.

O senhor já foi alvo de ataques de líderes populistas, como Donald Trump. Isso mostra o quanto a agenda climática virou alvo da polarização?
Sim. Há uma guerra cultural em curso, no Reino Unido, no Brasil, em vários lugares. Às vezes ela se apoia na religião, na origem étnica ou nas mudanças climáticas. O negacionismo virou uma ferramenta política. E o que incomoda esses líderes é ver cidades progressistas, diversas e liberais, com prefeitos como os de Londres, Paris ou Rio, mostrando que é possível governar de forma humana e vencer eleições.

Eles odeiam isso. Mas acredito que a esperança vence o medo e a união vence a divisão. Nosso papel, como líderes progressistas, é ser o antídoto contra essa negatividade, e provar que dá para salvar o planeta e melhorar a vida das pessoas ao mesmo tempo.

Continua após a publicidade

Como convencer investidores e cidadãos de que agir pelo clima não é custo, e sim oportunidade econômica?
Nós fizemos estudos comparando os custos da ação e da inação. E o preço de não fazer nada é muito maior. O Rio já enfrentou deslizamentos e ondas de calor; Londres e cidades europeias passam por enchentes e incêndios. Adaptar e tornar as cidades mais resilientes é não só mais racional, mas também vital.

E o bom é que as cidades estão mostrando que é possível. As cidades da C40 estão reduzindo emissões cinco vezes mais rápido que a média mundial.

Depois de quase uma década como prefeito, o que aprendeu sobre medo e esperança nas grandes cidades?
Aprendi que a maioria silenciosa quer que você acerte, mas muitas vezes não entende o que está em jogo. O papel do prefeito é ouvir, aprender e ensinar. As pessoas aceitam fazer o que é certo se você explicar por quê.

As mudanças climáticas são causadas pelos seres humanos e, justamente por isso, podemos revertê-las. Há dez anos falávamos em um aquecimento de 4 °C; hoje estamos em 2,5 °C. Ainda é preocupante, mas é progresso. Há motivo para otimismo.

Publicidade

About admin