O governador da Califórnia, Gavin Newsom, transformou uma votação local em um trampolim político. Com a aprovação da chamada Proposta 50, na terça-feira 4, que diz respeito ao redesenho do mapa eleitoral do estado, ele conquistou uma das maiores vitórias de sua carreira e deu um passo importante rumo a uma possível candidatura presidencial em 2028.
A proposta, aprovada por ampla margem, revoga os mapas eleitorais elaborados de forma independente e permite que o governo estadual redesenhe distritos com o objetivo de virar cinco cadeiras da Câmara dos Deputados a favor dos democratas. A manobra é uma resposta direta a movimentos semelhantes do presidente Donald Trump e de governadores republicanos, que vêm promovendo redistritamentos fora de época para consolidar o domínio do partido no Congresso até o fim do atual mandato presidencial.
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“Depois de provocarem o urso, o urso rugiu”, disse Newsom em tom de vitória, em Sacramento. “Ficamos firmes diante da imprudência de Donald Trump. Essa vitória mostra que ainda há quem lute pela democracia neste país.”
O que é gerrymandering
Nos Estados Unidos, deputados e senadores são escolhidos para representar distritos específicos. Os limites territoriais de cada um deles são definidos pelo legislativo de cada estado (no chamado “redistricting“) com o objetivo, em teoria, de dividir a unidade da Federação em blocos com o mesmo número de eleitores que reflitam as características populacionais indicadas pelo Censo a cada 10 anos.
Mas nesse processo ocorre o chamado “gerrymandering” — a manipulação das fronteiras de distritos eleitorais para criar maiorias artificiais e favorecer um partido ou político específico que, do contrário, não venceria a eleição. A técnica tornou-se comum porque, no sistema bipartidário americano, eleitores raramente mudam de voto ao longo dos anos. Quem muda é o distrito.
No começo deste ano, Trump demandou que os republicanos do Texas, altamente alinhados a ele, “encontrassem cinco assentos” para que o partido aumente sua presença na Câmara nas próximas eleições legislativas e impeça o Partido Democrata de tomar o controle da casa legislativa. Com a aprovação de projeto semelhante na Califórnia, a medida texana pode ser neutralizada.
Base de apoio
A ofensiva não ficou restrita ao estado ensolarado da costa oeste. Pequenos doadores de todos os 50 estados americanos contribuíram para a campanha de Newsom, que arrecadou US$ 38 milhões em doações individuais — um feito raro para uma votação local.
A base de doadores é resultado de um trabalho meticuloso que o governador californiano vem cultivando há mais de duas décadas. Desde os tempos de vereador em São Francisco, ele construiu um extenso banco de dados de apoiadores, considerado por ele mesmo “o ativo mais valioso” de sua trajetória política.
Em um momento em que parte do eleitorado democrata se mostra frustrada com a falta de ousadia do partido, Newsom vem se destacando como um dos principais antagonistas de Trump no cenário nacional. Em 2023, protagonizou o debate televisivo The Great Red vs. Blue State Debate, contra o governador da Flórida, Ron DeSantis, e mais recentemente lançou o podcast This Is Gavin Newsom, onde entrevista todo tipo de famosos, inclusive conservadores como Steve Bannon, para discutir a queda do apelo dos democratas entre homens jovens.
A estratégia tem funcionado. Pesquisas recentes mostram que Newsom desponta entre os favoritos do eleitorado democrata para 2028, embora ainda não tenha anunciado formalmente a candidatura. Em entrevista à CBS News, reconheceu pela primeira vez que considera disputar a Casa Branca, mas afirmou que tomará uma decisão apenas após as eleições legislativas de 2026.
Apesar da vitória, Newsom enfrenta desafios internos que podem pesar em uma corrida presidencial. A Califórnia, motor econômico dos Estados Unidos, também é um símbolo de problemas crônicos: crise de moradia, aumento de pessoas em situação de rua, alto custo de vida e fuga de empresas para estados com impostos mais baixos.
Segundo pesquisa do AP Voter Poll, 55% dos californianos aprovam a gestão de Newsom, mas mais da metade não quer vê-lo concorrer à Presidência. Entre os democratas, três em cada dez eleitores dizem preferir que ele conclua o mandato e não entre na disputa nacional.