Comecem a espalhar a notícia: no final da disputa, as diferenças diminuíram, mas a vantagem de Zohran Mamdani nas pesquisas (40,6% das preferências) antecipa uma provável vitória do candidato a prefeito que é, em tudo, o oposto de Nova York como símbolo universal do capitalismo. Vem de uma família de professores esquerdistas, indianos muçulmanos que emigraram para Uganda e, de lá, para os Estados Unidos, reza pela cartilha comunista, disfarçada sob a denominação de socialistas democráticos, e já declarou que é a favor da socialização dos meios de produção.
Reconheçamos também os pontos a favor: Mamdani é jovem – 34 anos -, bonitão, bom de comício, cheio de energia e, mesmo no país que consagrou o fato de que não existe almoço grátis, prometeu transportes, habitação e creches, tudo no peito. Nova York é uma cidade caríssima, onde um aluguel médio custa quatro mil dólares e um hambúrguer bate em quase dez dólares.
O tipo de promessa feita pelo candidato democrata pega bem junto a uma parcela da população – mesmo com os vídeos em que ele diz que “odeia o Partido Democrata” e quer mesmo um bom de um socialismo com propriedades confiscadas (os mais céticos dizem que, na prática, pelo nível dos impostos, isso já existe).
Qualquer candidato democrata sai com enorme vantagem numa cidade em que, na última eleição presidencial, Kamala Harris teve 63% dos votos e Donald Trump, 28%.
DESVIO PERIGOSO
Também contou pontos a favor de Mamdani o fato de que grandes bilionários, de Nova York e outras partes do país, se apavoraram quando viram que ele podia ganhar mesmo, segundo as pesquisas, e fizeram um dinheiroduto orientado para a campanha de Andrew Cuomo (34% das preferências), o ex-governador que seria um candidato imbatível, mas foi atropelado pelo ugandense-americano nas primárias democratas e está tocando uma campanha independente.
Mais ajuda involuntária: o folclórico Curtis Sliwa, sempre com a boina vermelha dos Anjos da Guarda, organização criada para oferecer proteção – desarmada – aos moradores em áreas perigosas, não desistiu de jeito nenhum de sua candidatura pelo Partido Republicano, imobilizando mais 10% dos votos que poderiam ir para Cuomo. O fiasco do prefeito Eric Adams, que mais ou menos tentou sair do barco democrata, ajudou ainda mais, mesmo tendo desistido de ser candidato.
Conta ainda a disposição da maioria do eleitorado de fazer uma manifestação contra Trump na eleição do prefeito e votar no candidato mais radical. Nova York já teve um prefeito comunista, Bill de Blasio (nome verdadeiro; Warren Wilheim), que vivia mostrando como troféu a mulher, por ser negra e lésbica, e fez uma péssima administração.
Mamdani também pegou um desvio perigoso e começou a apelar ao fato de que é muçulmano – uma vítima, portanto, segundo a ideologia woke que abraça com fervor.
Embora venha de uma família de alto padrão, sendo o pai, Mahmood Mamdani, um professor universitário de estudos anticoloniais (ah…) que chefia departamentos em Columbia e Kampala, o candidato quis se passar por um coitadinho discriminado. Fez até um discurso choroso sobre uma tia que deixou de usar o véu na cabeça depois do Onze de Setembro – uma insanidade, considerando-se que houve pouquíssimas reações contra muçulmanos depois dos múltiplos atentados que incineraram três mil pessoas em nome do radicalismo islâmico. No último dia de campanha, fez um vídeo em árabe, lembrando que sua mulher é da Síria.
DECADÊNCIA E PUJANÇA
Irá uma próxima República Socialista de Nova York rachar com um prefeito maluco ou, como sempre, absorver os extremos e cuidar do assunto que realmente interessa, dinheiro?
A decadência da cidade fica patente em várias áreas urbanas e o êxodo rumo a outras paradas é uma realidade, mas a pujança também é impressionante. Nova York tem um PIB per capita de 116 mil dólares, quase trinta mil a mais do que a média dos Estados Unidos.
A paixão por causas esquerdistas dos ricos e famosos de Nova York foi retratada por Tom Wolfe no livro Radical Chique, no longínquo ano de 1970. O escritor mostrava uma festa dada pelo maestro Leonard Bernstein ao Partido Black Power – não existia nada mais radical na época, inclusive pela adesão à luta armada.
Nada há de novo sob o céu, dizem os mais experientes, olhando para a ascensão do ugandense-indiano-americano. Uma corrente republicana diz que é até bom: será uma experiência tão desastrosa que arruinará as chances da colega de socialismo democrático de Mamdani, a deputada Alexandria Ocasio-Cortez. Ela só pensa naquilo – em ser candidata a presidente – e, se os dois se derem bem em Nova York, como diz a música legendariamente cantada por Frank Sinatra, podem se dar bem em qualquer lugar.
GLOBALIZAR A INTIFADA
Contra, pesa o fato de que não existe o menor perigo de que um prefeito como Mamdani – ou Zohran, como é chamado, num sinal de popularidade – dê certo.
O New York Post, obviamente de direita, enumerou vinte motivos para não votar em Mamdani. Entre eles: odeia a polícia; nunca viu uma ideia fracassada de que não gostasse, como criar uma rede de supermercados com preços controlados – e pela prefeitura; quer globalizar a intifada; apoiou condenados por dar dinheiro ao Hamas; quer fechar prisões (soltando presos); quer taxar ainda mais Wall Street e espantar a galinha dos ovos de ouro (1% dos contribuintes mais ricos bancam 48% dos gastos municipais) e tratará Nova York como um experimento, no qual propagará todas as ideias radicais do mundo acadêmico, “de Marx a Noam Chomsky”.
Mamdani seria o equivalente a um candidato do PSOL, com a diferença que busca um cargo majoritário no executivo, do tipo normalmente inacessível aos extremos. No Brasil, estaria fazendo um minuto de silêncio pelos mortos na Operação Contenção.
Será que amanhã, como na música, vai “acordar naquela cidade que nunca dorme e descobrir que é o número um”?