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Operação policial no Rio desnuda contradições da nossa sociedade

Foram quatro policiais mortos, sendo dois civis e dois militares, além de 120 suspeitos que também tombaram na mais letal ação policial da História do Brasil.

A cidade praticamente parou. Vias expressas foram interditadas e a população carioca vivenciou mais um verdadeiro dia de cão, com milhares de pessoas tendo de voltar a pé para suas casas, ou esperar horas a fio em engarrafamentos intermináveis.

A Operação Contenção, que as polícias do Rio de Janeiro deflagraram ontem contra o Comando Vermelho (CV), nos complexos da Penha e do Alemão, demonstra como nossos políticos e nossa sociedade encontram-se perdidos diante da crise de segurança pública que nos assola há décadas.

Governo Federal e oposição (no caso o próprio governador Cláudio Castro) promoveram, ao longo do dia, o jogo de empurra de sempre.

No ambiente polarizado do nosso país, respectivamente, entre direita e esquerda, metade da população aplaude o número elevado de suspeitos mortos e a outra metade já ensaia classificar a Op. Contenção como uma matança desenfreada.

Enquanto o campo progressista insiste na ideia de que os criminosos (inclusive os violentos) são vítimas da sociedade e de sua escolha pelo modelo capitalista, a direita reitera o velho jargão de que bandido bom é bandido morto. Ambos estão redondamente equivocados.

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Para analisarmos minimamente a eficácia e efetividade da Op. Contenção, temos de saber se houve prisões de cabeças ou apenas de pés-de-chinelo (soldadinhos do tráfico). Importante também conhecermos o alcance da parte financeira da investigação, isto é, se houve rastreio dos recursos oriundos dos lucros obtidos com as atividades criminosas desses braços do Comando Vermelho. Sabemos hoje que esse rastreio (follow the money) é muito mais relevante do que a própria apreensão das drogas, que ocorre invariavelmente nos locais onde se desenvolvem as ações.

Lamentavelmente chegamos a um ponto de não retorno no Rio de Janeiro. São responsáveis por essa situação as várias gerações de políticos que governaram o estado, que por décadas foram omissos em relação ao que ocorria a céu aberto na Cidade Maravilhosa.

A verdade é que se uma ação policial que acarreta na morte de uma centena de criminosos não coaduna com o estado democrático de direito, e arranha a imagem do Brasil internacionalmente, uma cidade em que facções criminosas conquistam territórios inteiros e densamente povoados, e os exploram com homicídios, extorsão, ameaças e venda de drogas, portando escancaradamente armas de guerra como fuzis e granadas, também se configura em atentado constante ao estado democrático de direito, e algo que nos envergonha perante o mundo.

Nenhuma autoridade política, policial ou judiciária, seja estadual ou federal, poderia estar dormindo tranquilamente com essa situação que já perdura por tanto tempo no Rio. Trata-se de uma desmoralização constante e ininterrupta para todos que detém algum poder de iniciar alguma medida ou reação oficial.

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Já falamos da natureza fluída da criminalidade. As facções criminosas de Rio e São Paulo “escorrem” para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, tornando suas ações delituosas nacionais, assim como lideranças dessas regiões, aproveitando-se da tibieza das autoridades do Rio de Janeiro, se homiziam por aqui.

Entendemos que a macrocriminalidade no Rio de Janeiro é um problema nacional, e por isso deve ter projetos repressivos iniciados e coordenados pelo Ministério da Justiça e pela Polícia Federal.

Contudo, entendo ter sido acertada a decisão da Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro quando declinou em participar dessa operação. Não havia alvos de interesse da Justiça Federal e, por conseguinte, não era conveniente a nossa participação.

Quanto à alta letalidade da ação, temos que buscar um ponto de equilíbrio ao reconhecer que, na situação em que nos encontramos, com faccionados portando – em áreas urbanas – armas de guerra, temos de iniciar a retomada desses territórios. Não podemos nos furtar a isso. E, ao que tudo indica, os bandidos reagiram ferozmente à ação da polícia.

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Depois de tanto tempo de omissão, vai ser muito difícil recuperar nossa cidade sem um enfrentamento armado. Qualquer coisa diferente disso será como tentar fazer um omelete sem quebrar os ovos. É o preço que pagaremos pela letargia, conivência e corrupção das nossas autoridades.

Bom lembrar que as facções hoje lucram muito com atividades criminosas desenvolvidas a partir da conquista desses territórios, como venda de bujões de gás, serviços de “gatonet” e extorsões diversas.

Mas o tráfico de drogas segue sendo uma atividade altamente lucrativa. E aí está um dos pontos cegos desse problema. Os cento e poucos soldados do crime que foram mortos por resistirem a ação da polícia serão substituídos em poucos dias, assim como a droga apreendida será substituída por uma outra remessa, que certamente já foi até encomendada.

É ai que está o fio solto dessa situação: a atividade principal (e mais lucrativa) dessas quadrilhas que se encastelam armadas de fuzis no alto dos morros cariocas, que ainda é o comércio de maconha, cocaína e outras drogas, não é apenas aceita como apreciada por uma enorme parcela da nossa sociedade, que faz uso recreativo dessas substâncias. E esse grupo de pessoas está estabelecido em todas as classes sociais, inclusive nos extratos mais elevados.

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Não é a questão territorial, mas principalmente o tráfico de drogas – cujas penas para traficantes são altíssimas – que faz com que as quadrilhas se armem com fuzis. Toda essa gama de crimes violentos e de corrupção de autoridades, cometidas como delitos de suporte ao tráfico, só ocorrem por conta desse “crime inventado” que é o fornecimento de drogas para as pessoas que desejam seu consumo, que podemos chamar de usuários, clientes ou de consumidores.

No estado americano da Califórnia a maconha foi liberada para o consumo. Obviamente o porte está liberado, assim como a produção, transporte e venda. Houve a total descriminalização. Todo o ciclo onde as quadrilhas atuavam foi legalizado. A atividade criminosa deu lugar a uma atividade que é inclusive sujeita a impostos.

E o mais importante: por ser legalizada, a atividade pôde ser regulamentada (uma das desgraças da criminalização de qualquer produto é a óbvia e consequente impossibilidade de sua regulamentação). Na Califórnia, com a descriminalização, diminui o tráfico, a corrupção e a droga batizada.

No Brasil, ao se descriminalizar somente a posse para uso próprio da maconha – e não o ciclo produtivo inteiro, ainda conseguimos facilitar mais a vida do traficante.

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E o processo de descriminalização das drogas em diversos países vai tornando menos estigmatizados seus usuários, com toda a razão.

Não é possível que ainda não tenhamos parado um minuto sequer para pensarmos o quão contraditórios somos nós ao olharmos os fornecedores (por intermédio das leis que nossos representantes no Congresso aprovaram) como facínoras e consumidores com total naturalidade.

Temos que começar a discutir a descriminalização com objetividade e sem politização, pois enquanto houver demanda da sociedade, haverá um fornecedor disposto a atendê-la, e um fuzil pra proteger essa venda, e um policial para levar um arrego, e um menino de dezoito anos para ser avião, ser preso, condenado a oito anos de reclusão e sair da cadeia com doutorado em crimes graves…

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