Um estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) mostrou o impacto de operações policiais em comunidades para a vacinação da população na primeira infância, período que compreende a faixa etária de 0 a 6 anos, e apontou uma queda de 90% na imunização durante as ações. O levantamento, com dados de 2024 e 2025, foi realizado no Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, território composto por 16 comunidades e com mais de 140 mil habitantes. Nesta terça-feira, 28, incursões nos complexos do Alemão e da Penha alcançaram o status de ação mais letal da história da capital fluminense, totalizando mais de 130 mortes até o momento.
Para compreender como as operações comprometem a imunização das crianças, foi realizado o cruzamento de dados de vacinação do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), do Ministério da Saúde, e o registro de operações policiais coletados pelas Redes da Maré por meio do eixo de Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça. Foi assim que os pesquisadores chegaram à redução expressiva de crianças vacinadas.
Isso ocorre pelo fato de que as incursões costumam resultar em confrontos que levam ao fechamento de unidades de saúde e ao comprometimento da circulação de famílias e profissionais de saúde nas regiões afetadas.
De acordo com o estudo, ocorreram 43 dias com operações policiais na Maré no ano passado, dos quais 22 levaram ao fechamento de, ao menos, uma das seis unidades de saúde da comunidade. Nesse período com interrupção das atividades, nove crianças foram vacinadas e houve aplicação de 20 doses. Em dias normais, foram imunizadas 89 crianças com uma média de 187,3 doses. Em dias em que o fechamento das unidades foi parcial, um total de 14 dias, houve queda de 64% no número de crianças vacinadas.
No primeiro semestre deste ano, o mesmo padrão foi notado pelos pesquisadores. A média de crianças vacinadas em dias sem operação foi de 76 e o número caiu para 11 quando as incursões estavam ativas.
“A rotina de violência armada vivenciada pela primeira infância na Maré não pode se tornar uma constante que nega o direito à saúde e proteção. Nenhuma criança deve ficar sem acesso à vacinação, nem mesmo por causa da violência armada, e nenhuma gestante ou mãe deve ser impedida de sair de casa para garantir o cuidado de seus filhos. O estudo deixa claro que a insegurança e o medo impedem muitas famílias de buscar atendimento, agravando ainda mais a vulnerabilidade e os riscos à saúde das crianças na região”, afirmou, em comunicado, Flavia Antunes, chefe do escritório do Unicef no Rio de Janeiro.
Além de impactar na proteção dada pelas vacinas e nas coberturas vacinais, as operações têm outros efeitos deletérios. “Crianças e jovens da Maré sofrem impactos invisíveis, como efeitos significativos na saúde mental e a perda de anos escolares, que vão determinar uma série de consequências para a vida adulta. Não podemos naturalizar a suspensão dos direitos básicos dos moradores, durante as ações policiais nessas regiões”, disse Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré.
Importância da vacinação
O Brasil é uma referência em imunização de crianças e conseguiu erradicar doenças graves, como a poliomielite, a partir da oferta gratuita de vacinas por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).
Até os seis anos, crianças de todo o país podem ser vacinadas contra sarampo, caxumba, rubéola, gripe, covid-19 e outras infecções que podem levar a hospitalizações ou à morte.
Cada faixa etária, inclusive no primeiro ano de vida, recebe doses e os reforços em períodos específicos que devem ser cumpridos. A interrupção das atividades nos postos de saúde atrapalha o cumprimento do calendário, deixando as crianças mais vulneráveis a infecções e ao comprometimento da saúde delas.