Na vastidão do planalto que cerca Brasília, as fazendas do Grupo MeC, uma extensão de 2400 hectares encravados na divisa entre o Distrito Federal e Goiás, simbolizam uma profunda transformação no agronegócio brasileiro. Ali, a passagem do bastão familiar para as novas gerações se traduz em novas práticas que estão a reinventar a produção. Isso porque uma turma recém-chegada combina aumento da produtividade e de faturamento com a proteção da fauna e da flora do Cerrado e a recuperação de áreas degradadas.
É o que prega a chamada agricultura regenerativa, conjunto de práticas que restauram a saúde do solo, aumentam a biodiversidade e fortalecem a resiliência dos ecossistemas, enquanto mantêm a produção agrícola. Assim, entre pastagens revitalizadas, sistemas de irrigação inteligente e reflorestamento estratégico, o grupo MeC viu a produção disparar, sem que fosse necessário desmatar ou exaurir as propriedades.
“Quando cuidamos bem do solo, nos pilares químicos, físicos e biológicos, ele nos devolve produtividade e estabilidade”, afirma Willian Matté, engenheiro-agrônomo no comando do Grupo MeC.
A reportagem visitou o local como parte da Expedição VEJA, que está rodando o Brasil para conhecer projetos inovadores de sustentabilidade e destacar temas relacionados à agenda da COP30, a Conferência do Clima da ONU que acontecerá em novembro em Belém, no Pará.
Willian herdou a fazenda do pai, Neuro Matté, que deixou Santa Catarina três décadas atrás para se aventurar no Cerrado e transformou a propriedade em referência regional em produtividade. Desde que assumiu o comando, Willian vem conduzindo a transição para a agricultura regenerativa, uma abordagem que vai muito além da simples produção: busca restaurar a fertilidade do solo, aumentar a biodiversidade e fortalecer a resiliência dos ecossistemas.
Na prática, isso envolve a rotação de culturas, o uso de plantas para manter o solo permanentemente coberto, o manejo integrado da água, a recuperação de áreas degradadas e de nascentes e a multiplicação da vegetação nativa. O conceito prega que solos saudáveis são a base de qualquer produção sustentável e que a terra deve ser manejada como um organismo vivo, capaz de se regenerar e se adaptar.
“Em um contexto de mudanças climáticas cada vez mais severas, essa vertente se torna ainda mais estratégica: solos ricos em matéria orgânica armazenam carbono, retêm água e protegem as lavouras contra secas, tempestades e pragas, ao mesmo tempo em que garantem estabilidade econômica”, afirma Matté.

Nas quatro fazendas do Grupo MeC, a filosofia regenerativa se traduz em um sistema cuidadosamente planejado, em que cada decisão busca equilibrar produtividade, sustentabilidade e resiliência. O arroz de terras altas é cultivado em sucessão com soja, milho, feijão e trigo, criando ciclos que mantêm o solo sempre ativo e evitam sua exaustão. Entre uma safra e outra, áreas de lavoura recebem misturas de plantas de cobertura, que protegem o terreno da erosão, fixam nutrientes, estimulam a atividade biológica e reduzem a incidência de pragas e doenças.
A irrigação é inteligente e estratégica, direcionada apenas quando necessário, o que otimiza o uso da água e fortalece a resiliência das culturas diante de secas ou chuvas irregulares. Para o agrônomo Tony Cabral, técnico da fazenda, o sistema permite que a produção cresça sem pressionar áreas naturais e que a propriedade funcione como um organismo integrado, em que cada cultura e prática agrícola contribuem para a saúde do solo e a estabilidade da produção.
“Pensamos na fazenda como um sistema único. Cada rotação de cultura, cada planta usada para cobrir o solo, cada intervenção tem um propósito: aumentar a produtividade, reduzir riscos e garantir que a terra continue fértil para as próximas gerações”, diz Cabral.

No centro desse modelo de produção está a biofábrica construída dentro da própria fazenda, o coração tecnológico da operação regenerativa do Grupo MeC. É ali que são produzidos os microrganismos responsáveis por devolver vida ao solo: bactérias, fungos e outros agentes biológicos que substituem insumos químicos convencionais e estimulam processos naturais de regeneração.
Na prática, a biofábrica funciona como um laboratório rural, onde cepas de microrganismos são isoladas, multiplicadas e aplicadas de forma precisa nas lavouras, promovendo o equilíbrio biológico do solo e fortalecendo as plantas contra pragas e doenças. O espaço exige rigor técnico: controle de temperatura, esterilização de equipamentos, monitoramento constante de pH, oxigenação e pureza dos compostos produzidos.
Trata-se de uma operação complexa, que combina ciência e agronomia. Biólogos, microbiologistas e engenheiros-agrônomos trabalham lado a lado, testando novas formulações e ajustando a aplicação biológica de acordo com as condições de cada talhão.
“O objetivo é criar uma microbiota de solo rica e funcional, capaz de transformar resíduos orgânicos em nutrientes e reduzir drasticamente o uso de fertilizantes sintéticos”, afirma Wellington, gerente financeiro do grupo. Só em 2024, ele calcula que a economia com fertilizantes químicos ultrapassou 1 milhão de reais.

Em um sistema regenerativo, a biofábrica representa autonomia e inteligência: permite à fazenda produzir seus próprios insumos biológicos, reduzir custos e ampliar o impacto ambiental positivo. Mais do que um espaço técnico, ela simboliza a virada de chave na agricultura, do manejo baseado em correção química para o cultivo guiado pela biologia do solo. “Hoje, produzimos soluções específicas para cada área da fazenda”, afirma Wellington.
O avanço do agro regenerativo no Cerrado revela um potencial que vai muito além das porteiras do Grupo MeC. Segundo estudo conduzido pelo Boston Consulting Group (BCG) em parceria com o Ministério da Agricultura e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), práticas regenerativas podem ser aplicadas em até 32 milhões de hectares do bioma, uma área equivalente à Noruega, e gerar US$ 100 bilhões em valor econômico até 2050.
O Cerrado, responsável por um quarto da soja mundial, além de 97% do algodão, 66% do milho e quase metade do rebanho bovino brasileiro, é também a savana mais biodiversa do planeta. Essa combinação de produtividade e riqueza natural torna a região um laboratório ideal para provar que conservar e produzir podem caminhar juntos.

O desafio, contudo, é escalar o modelo. Para transformar o Cerrado em uma referência global de agricultura regenerativa, seriam necessários US$ 55 bilhões em investimentos, com retorno médio estimado em 19% ao ano. O projeto Landscape Accelerator – Brazil (LAB), que será apresentado na COP30, pretende mobilizar capital privado e conhecimento técnico para acelerar essa transição, recuperando pastagens degradadas e difundindo sistemas integrados de lavoura, pecuária e floresta. Em um cenário de crise climática, o potencial é duplo: sequestrar carbono e fortalecer economias rurais.
Ao herdar a gestão da fazenda do pai, Willian Matté não apenas deu continuidade à história do Grupo MeC, reescreveu seu sentido. No solo regenerado do Cerrado, a sucessão familiar se tornou símbolo de um novo ciclo no campo brasileiro: o da produção que se renova junto com a terra.
