Líder de uma fundação que distribui remédios de graça para os mais pobres, o empresário Ferette (Murilo Benício) está prestes a receber uma homenagem quando ouve na multidão que ele é um assassino. A voz raivosa é de Misael, um homem humilde que carrega a dor da morte da esposa doente, que tomou os tais medicamentos gratuitos — e falsos. A cena de Três Graças, nova novela da TV Globo, surpreende não exatamente pelo roteiro, mas, sim, por um dos destaques entre os atores: Misael é vivido por Marcelo Pires Vieira, ou melhor, Belo — sim, o pagodeiro. Sem o característico cabelo descolorido, ele assume madeixas pretas e uma carga dramática desconhecida até então entre os que dançam inadvertidamente ao som do refrão “Derê! Dererere”, onomatopeia repetida diversas vezes na canção (vejam só!) chamada Derê.

Dono de uma carreira sólida na música, tanto que seu apelido dispensa apresentações, Belo se arrisca agora no horário nobre da TV completando um ciclo notável de reinvenção. Em tempos de cancelamento, Belo não só superou o passado problemático como se tornou um cantor requisitado e de cachê altíssimo — 800 000 reais, em média, por apresentação —, e, como não poderia deixar de ser, virou personalidade da internet, uma métrica irrefutável de sucesso na era das redes. Ser ator era só mais um item da lista a ser riscado pelo artista, hoje aos 51 anos, que pode se dar ao luxo de fazer o que bem quiser.
Filho de um pedreiro e uma costureira, Belo — apelido ganho na adolescência por ser muito namorador — se destacou no grupo Soweto graças à sua melhor arma: sem a beleza dos grandes galãs, equilibra o jogo com uma dose alta de carisma. Surfou no auge da popularidade do ritmo, nos anos 1990, e partiu para a carreira solo em 2000. Os planos foram interrompidos em 2002, quando ele foi detido por associação ao tráfico de drogas, flagrado em conversas telefônicas com um traficante da facção Comando Vermelho em Jacarezinho, no Rio de Janeiro. Foi condenado a oito anos de cadeia, cumpriu um terço da pena, saiu em condicional por bom comportamento e conquistou de vez a liberdade em 2010. Até hoje, ele alega inocência. Quando questionado sobre como se manteve relevante nesse período, dá crédito à fidelidade dos fãs. “Eu nunca pensei em desistir, mesmo me sentindo arrasado, morto e enterrado”, disse o cantor a VEJA (confira abaixo).

Nos últimos quinze anos, Belo se dedicou a dar a volta por cima. Descansou a imagem, se afastou de problemas e focou em fazer shows pelo país. Benquisto na TV Globo, era figura constante em programas de auditório como Caldeirão do Huck e Domingão do Faustão. Em 2023, integrou o elenco do popular quadro Dança dos Famosos. Os projetos na emissora, então, vieram a galope: foi jurado do reality show The Masked Singer e participou das séries Arcanjo Renegado e Veronika, ambas do Globoplay — plataforma onde lançou também um documentário revelador, Belo, Perto Demais da Luz, em 2024. Agora, se dedica a aulas de atuação com uma preparadora de elenco para não dar vexame na pele do viúvo alcoólatra em busca de vingança.
Na vida pessoal, após anos de um casamento midiático com a fisiculturista Gracyanne Barbosa e um divórcio escandaloso, ele vive um novo romance com a influenciadora Rayane Figliuzzi. Mesmo na TV, não pretende abandonar a música: no ano que vem, lançará novas edições do evento musical Belo Dia e o Navio do Belo, seu show em alto-mar. O astro do pagode não desafina quando o tema é dar a volta por cima.
“Atuar é algo mágico”
A VEJA, Belo falou da motivação para se arriscar como ator de novela e como superou o período em baixa.

Após uma carreira consolidada na música, por que decidiu virar ator? Atuar é algo mágico. A música chega no coração das pessoas contando uma história, mas na atuação você atinge esse mesmo objetivo através do olhar, da fala, se passando por um personagem que é diferente de você.
Antes de Três Graças, você participou de séries e programas da Globo. Por que essa ligação com o canal? Minha relação com a Globo sempre foi boa e se intensificou após minha participação no Dança dos Famosos, em 2023. Eu não sou ator, mas tenho me entregado aos desafios.
Você foi preso no início dos anos 2000. Como deu a volta por cima com essa mancha no currículo? Meu público sempre esteve ao meu lado. Mesmo ausente dos palcos, eu tinha músicas tocando nas rádios. Deus foi muito bom comigo, me mostrou que ali não era o meu lugar e que eu estava sofrendo uma injustiça. Nunca pensei em desistir.
Com shows e novela, sobra tempo para se dedicar a outra atividade? Eu jogo tênis, mas estou sem tempo. Como o Misael é mais cheinho por causa da bebida, eu não preciso treinar tanto.
Publicado em VEJA de 24 de outubro de 2025, edição nº 2967