No que deveria ser uma fala técnica sobre o desempenho fiscal do governo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entregou um discurso com tom de comício. Diante do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Haddad exaltou supostos recordes de gestão — do “melhor resultado fiscal desde 2015” à “menor inflação acumulada da história” — e celebrou o corte da chamada “bolsa empresário”.
“Foi a primeira vez que diminuímos o déficit público cortando privilégios de cima, não dos pobres”, disse Haddad, em um evento que rapidamente se transformou em vitrine política para o Palácio do Planalto. O ministro chegou a comparar Lula a Usain Bolt, afirmando que o petista “bate o próprio recorde” sempre que volta ao poder.
Da Fazenda ao palanque
Para o colunista Robson Bonin, do Radar, o discurso deixou claro que Haddad já pensa como candidato, não como ministro. Em comentário no programa Ponto de Vista, Bonin classificou a fala como “um constrangimento completo” — e um sintoma de um governo que confunde gestão econômica com campanha eleitoral.
“O ministro não estava falando como responsável pela política fiscal, mas como um candidato. Ele se orgulha de fragilizar o setor produtivo para transformar o Estado no grande distribuidor de renda, o ‘pai dos pobres’”, afirmou Bonin.
O jornalista destacou que Haddad celebrou um resultado fiscal que, na prática, ainda depende de manobras de arrecadação — como a polêmica MP do IOF, que foi derrubada pelo Congresso, abrindo um rombo de 46 bilhões de reais nas contas públicas. “É um discurso que tenta pintar o governo como eficiente, quando o país ainda luta para fechar as contas básicas”, disse.
Entre o populismo e o improviso fiscal
O tom triunfal de Haddad, segundo Bonin, mascara uma realidade desconfortável: o crescimento econômico modesto e a inflação controlada foram obtidos à custa de juros altos e baixo investimento produtivo.
“O governo se orgulha de sufocar quem gera emprego e renda para poder distribuir benefícios sociais e dizer que está cuidando dos mais pobres. É uma estratégia populista clássica — o Estado arrecada, impõe mais impostos e se coloca como o grande salvador”, criticou.
Para o colunista, o ministro tenta reescrever a narrativa econômica do governo petista, mas acaba esbarrando na própria história:
“Haddad diz que o país vive seu melhor resultado desde 2015, como se isso fosse uma conquista. 2015 foi o auge do desastre fiscal de Dilma Rousseff, com pedaladas, contabilidade criativa e uma crise sem precedentes. Qualquer coisa depois daquilo parece melhor”, ironizou.
O pano de fundo eleitoral
Nos bastidores de Brasília, o discurso foi lido como mais um passo de Haddad no tabuleiro sucessório de Lula. Com o presidente já em ritmo de campanha antecipada, o ministro da Fazenda tenta se consolidar como o nome capaz de unir a ala moderada do PT e o empresariado — ao mesmo tempo em que se alinha à retórica populista do Planalto.
Bonin vê nisso um risco claro: “O governo vive uma contradição. Quer estabilidade fiscal, mas aumenta gastos; promete credibilidade, mas interfere na economia. É uma mistura de campanha com improviso técnico.”
A retórica de Haddad, que transformou números fiscais em slogans políticos, é um prenúncio do que virá. A economia, por ora, virou o novo palanque de Lula — e o ministro, o seu orador oficial.