A oposição está diante de um enigma: como obter o apoio do bolsonarismo, que controla entre 20% e 25% do eleitorado, sem ser contaminado pelo antibolsonarismo, posição de 49% dos eleitores, segundo a última pesquisa Genial/Quaest? Paralisada há meses sem resolver essa charada, a oposição assiste ao crescimento sólido de Lula da Silva nas pesquisas. Se não arranjar uma resposta até o Carnaval, pode ser tarde demais. A esfinge pode devorar a oposição.
Num arroubo de sinceridade, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia definiu o bolsonarismo como tóxico. Falando num evento para empresários em São Paulo, na quinta-feira 16, Maia definiu a encruzilhada o candidato preferido da elite, Tarcísio de Freitas:
“O Tarcísio, favorito, contaminado pela agenda maluca do bolsonarismo anti-Brasil, por um grupo que era nacionalista – uma incoerência em tudo que está se fazendo em relação ao que se falou no passado –, transforma o candidato de centro-direita no candidato a perder a eleição”.
Tarcísio contaminou-se com os isótopos bolsonaristas ao ficar ao lado da família após o tarifaço que atinge a indústria e a agricultura paulista, defender a anistia do ex-presidente e atacar o Supremo – ou seja, comportar-se como um Bolsonaro sem ter o sobrenome. Em 2022, mimetizar o ex-presidente foi suficiente para eleger Tarcísio governador de São Paulo. Em 2026, a proximidade enterra a sua candidatura presidencial.
Rodrigo Maia disse em público o que se escuta nos cafezinhos da Câmara e do Senado, em gabinetes e em conversas reservadas dos políticos. A novidade é um político identificado com a centro-direita como Maia dizer isso em um evento da direita, ambiente em que Tarcísio é festejado. Se Maia fez isso é porque sabia que seria compreendido.
O repórter Igor Gielow, da Folha, relatou humor parecido no jantar de aniversário do presidente do PSD, Gilberto Kassab. O público que enxergava Tarcísio como um político de direita que sabe diferenciar os talheres do jantar está desgostoso.
Não há uma resposta fácil para o enigma da oposição. Jair Bolsonaro, como repete o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, é o dono dos votos. O sobrenome Bolsonaro dá de cara 20% para qualquer candidato no primeiro turno. A rejeição de mais de 60% ao sobrenome, no entanto, traça uma derrota certa no segundo turno.
O abismo no qual a oposição se meteu foi cavado com seus próprios pés. O medo de ter um veto de Bolsonaro obrigou aos pré-candidatos (os governadores Tarcísio de Freitas, Romeu Zema, Ronaldo Caiado e Ratinho Junior) à humilhação de prometerem publicamente dar anistia ao ex-presidente, quando a maioria dos eleitores defende sua punição, e impediu que eles condenassem a articulação de Eduardo Bolsonaro pelas sanções contra o Brasil.
Desrespeitando a inteligência do eleitor, os governadores conjecturaram pretextos para justificar o tarifaço de Trump (os Brics, a pressão das Big Techs, as compras do petróleo russo, o antiamericanismo de diretório estudantil do PT, etc.) sem atacar o óbvio: o problema sempre foi Eduardo e a incapacidade de Jair em controlar os filhos. Enquanto os governadores reclamavam que Lula não telefonava para Trump, nenhum teve a coragem de romper publicamente com Eduardo. Tarcísio, que em julho telefonou para Eduardo e previu que, pressionado pelo empresariado americano, Trump eventualmente recuaria do confronto com o Brasil, nunca divulgou a conversa publicamente.
Moderado durante dois anos, Tarcísio radicalizou na hora errada, quando Eduardo Bolsonaro trazia prejuízo à economia brasileira e seu pai se tornava passado ao ser condenado a 27 anos de prisão. O erro de timing foi captado nas pesquisas. Na Genial/Quaest, entre maio e outubro, Tarcísio caiu de 40% para 33% num hipotético segundo turno contra Lula da Silva. Sua rejeição subiu de 32% para 41% desde janeiro; ao mesmo tempo, a parcela dos que conhecem e votariam nele subiu apenas três pontos, de 23% para 26%, enquanto o índice dos que não conhecem caiu 12 pontos, de 45% para 33%. Ao ficar mais conhecido, Tarcísio passou a ser mais rejeitado.
O conhecido profissionalismo dos líderes do Centrão sugere que alguma resposta ao enigma virá entre dezembro e janeiro _ quando a anistia a Bolsonaro já tiver sido descartada no Congresso, os recursos do julgamento esgotados e a pena ao ex-presidente estiver formalmente iniciada. Pode ser uma união em torno de Tarcísio ou uma divisão da oposição em várias candidaturas no primeiro turno, incluindo um com o sobrenome Bolsonaro. Até lá, o tempo para a oposição decifrar a esfinge vai passando.