Donald Trump atravessou a fronteira sul, atropelou todos os manuais de prudência política e diplomática e está fazendo uma interferência indevida na guerra eleitoral da Argentina.
Ele resolveu socorrer com 40 bilhões de dólares o governo Javier Milei, antes das eleições legislativas do próximo domingo. É uma aposta de alto risco com o dinheiro dos contribuintes americanos para ajudar um aliado que está com o próprio futuro político pendente do resultado das urnas.
Deputados e senadores americanos, na maioria democratas, divulgaram documento criticando o uso “com objetivos políticos” de recursos governamentais para socorrer o governo Milei antes das eleições locais. Sugeriram ao secretário do Tesouro, Scott Bessent, que suspenda a ajuda financeira.
Trump apresentou uma versão peculiar para o socorro eleitoral: “Os argentinos estão lutando pela vida, vocês entendem o que isso significa?”, perguntou a jornalistas. “Não têm dinheiro. Não têm nada. Estão lutando muito duramente para sobreviver. Se posso ajudá-los a sobreviver num mundo livre… Acontece que gosto do presidente da Argentina, creio que está tratando de fazer o melhor que pode, mas não façam com que pareça que tudo vai bem para eles. Estão morrendo.”
A intervenção estrangeira nas eleições argentinas não é novidade. Lula, por exemplo, fez uma interferência indevida em meados de 2023, semanas antes do primeiro turno da disputa presidencial. Queria ajudar a eleger o candidato peronista Sergio Massa, na época ministro da Economia do governo Alberto Fernández e Cristina Kirchner.
Jogou com o peso do Brasil. Em parceria com Fernández, Lula rascunhou uma espécie de “plano de governo binacional”, como registrou em livro Daniel Scioli, na época embaixador argentino em Brasília. Foi além: pediu ajuda financeira para a Argentina a Xi Jinping, presidente da China; a Joe Biden, dos Estados Unidos; e, a líderes de governos que integram o clube do Brics, entre eles Narendra Modi, da Índia, e Vladimir Putin, da Rússia.
Numa reunião de banqueiros em Paris, defendeu o governo Fernández-Kirchner. Recheou o discurso com a insinuação de que o principal aliado de Milei, o ex-presidente Mauricio Macri, estava envolvido em corrupção, com a cumplicidade do FMI: “À Argentina, da forma mais irresponsável, o FMI emprestou 44 bilhões de dólares a um senhor (Macri) que era o presidente, e não se sabe o que (ele) fez com o dinheiro.”
Na sequência, como relatou a repórter Vera Rosa na época, Lula mobilizou a Corporação Andina de Fomento, onde o Brasil tem voz e voto, e o Banco do Brasil para uma operação de socorro financeiro ao governo argentino (o valor previsto era 40 vezes menos que o dinheiro agora emprestado por Trump). E ainda mandou assessores de campanhas petistas a Buenos Aires para “ajudar na comunicação” da campanha peronista.
Em Brasília, recebeu o candidato Massa na quente e seca segunda-feira 28 de agosto, e aconselhou sobre a crise financeira no meio do processo eleitoral: “Deixa de procurar dólares e vá atrás de votos” — como relatou Massa a jornalistas na viagem de volta a Buenos Aires. Massa perdeu para Milei.
Lula tem um histórico de intervenções em guerras eleitorais na região. Exemplos: na Venezuela, para apoiar Hugo Chávez e Nicolás Maduro; no Peru, para eleger Ollanta Humala; no Equador, em apoio a Rafael Correa; na Bolívia, para eleger e reeleger Evo Morales; na Argentina, com Néstor e Cristina Kirchner e, também, Alberto Fernández.
Trump segue a trilha já usada por Lula. A interferência estrangeira na eleição argentina só não é mais danosa à estabilidade da América do Sul do que eventual ação armada dos EUA na Venezuela.
Entre duas eleições, no espaço de apenas dois anos, os governos do Brasil e dos Estados Unidos fizeram na Argentina aquilo que, muito provavelmente, Lula e Trump condenariam com veemência — e com razão— se governos estrangeiros fizessem nos seus países: tomaram partido na guerra eleitoral dos argentinos.