Destino emoldurado por praias paradisíacas e famoso por seu “quadrado”, com casinhas coloridas, bares e pousadas ao redor, Trancoso, no Sul da Bahia, tem sua história ligada aos primórdios do país. Sua fundação remonta a 1586, quando o objetivo era catequizar os nativos e combater o contrabando de pau-brasil. A região, porém, permaneceu isolada por séculos, sendo habitada inicialmente por pescadores e fazendeiros. Em 1970, o então pacato distrito de Porto Seguro foi redescoberto, desta vez por grupos de hippies. Ao longo das décadas, o destino viu sua infraestrutura aumentar, estradas serem abertas e aumentar a chegada de “biribandos”, como foram apelidados os visitantes que se estabeleciam por lá.

Já em meados dos anos 2000, o termo “badalado” colou de vez em sua descrição e virou um dos adjetivos mais recorrentes para retratar o local. Com o tempo, passou a ser taxado ainda como de “refúgio do luxo”, “destino das celebridades” e “paraíso das festas eletrônicas”. Foi a gota d’água para um grupo de apaixonados pela região decidisse mostrar que aquele concorrido e charmoso vilarejo tem muito mais a oferecer. Pode ser um exemplo do Brasil para o mundo de que é possível ter o turismo como sua principal fonte de renda e, ao mesmo tempo, lutar por sua preservação, pela manutenção de sua cultura e por um modelo cada vez mais consciente e sustentável.

Imbuídos desse espírito, nomes como Bob Shevlin, sócio da Uxua Casa Hotel & Spa e membro do conselho Conservação Internacional (CI) do Brasil – organização sem fins lucrativos que trabalha para proteger a nureza e os ecossistemas do país – decidiu se mobilizar em torno da causa. “Nós reunimos pessoas que acreditam em um novo modelo de turismo e de gastronomia: mais consciente, conectado com a natureza e verdadeiro”, explica. A face mais evidente desse esforço é Organic Festival Trancoso, criado em 2018, e que terá sua 6ª edição, entre os dias 29 de outubro e 2 de novembro, reunindo 64 convidados de todo o país. “O evento nasceu com um fio condutor gastronômico. A comida foi e continuará sendo nosso maior meio de união, mas, ao longo dos anos, fortalecemos a participação de diversos ambientalistas e ativistas”, acrescenta o francês Charles Piriou, outro idealizador do movimento.

Este ano, o festival contará, entre outros, com 26 chefs renomados. Entre as madrinhas e embaixadores da iniciativa estão Roberta Sudbrack (do Sud, no Rio); Janaína Torres (do Bar da Dona Onça, em São Paulo), Wellington Barcellos (do Copacabana Palace, no Rio); Luiz Felipe Souza (do Evvai, de São Paulo); e Mauricio Eraso Filotto (do Fasano Punta Del Leste). Todos os mestres das caçarolas convidados cozinharão e venderão seus pratos em mesas dispostas em frente as casinhas coloridas do “quadrado”. Há ainda um grande piquenique comunitário e um luau na praia. Aliada a essas tentações, a iniciativa prevê uma ampla discussão sobre sustentabilidade, consumo, gastronomia e turismo, com uma série de mesas redondas, workshops e visitas a projetos da região.

A ideia é mostrar que Trancoso adotou a questão da sustentabilidade e do turismo consciente como suas maiores bandeiras e quer engajar mais gente neste propósito. O vilarejo à beira-mar está integrado, entre outras iniciativas, a um projeto batizado de T30, que prevê um planejamento de 30 anos para que o futuro de Trancoso seja adaptável às mudanças climáticas e enfatize a urbanização verde. O projeto ainda prioriza o transporte público, a moradia acessível de qualidade e a pesca e agricultura conscientes. Outro programa, que tem à frente a Associação Despertar Trancoso, visa dar ferramentas aos jovens locais para que possam competir de igual para igual com a mão de obra externa. A localidade ainda conta com uma horta comunitária.
Pouca gente sabe, mas a preservação da área do “quadrado” (símbolo do centro daquela vila e exclusivo para pedestres) e a demarcação de uma área verde ao lado, hoje transformada em um bosque, partiu da própria população local com o avanço da chegada de turistas. Mesmo que se saiba que sempre há coisas a se melhorar, um grande avanço é ver que a preocupação com a sustentabilidade já está enraizada em Trancoso.