Existem criadores de moda que moldam tecidos; e há os que moldam ideias. Alexandre Herchcovitch é desses cuja costura é quase uma escultura — feita de intuição, extremo domínio técnico e muita liberdade. No desfile de verão 2026, apresentado na Sala do Conservatório, na Praça das Artes, em São Paulo, com Sasha Meneghel e Felca na primeira fila, ele reafirmou esse conceito sob o gesto mais poderoso de um artista: o de criar sem amarras.
“Eu imaginei uma moda livre. Algo que é meu. Quando começo a criar, é com bastante liberdade, sem amarra nenhuma, o que eu gosto mais e misturando um pouco de universos diferentes que estão dentro de mim”, disse o estilista a VEJA. Essa liberdade ecoou em cada look que cruzou a passarela do São Paulo Fashion Week — em duplas, por portas opostas, gerando uma coreografia quase caótica e vibrante, reflexo da pluralidade de Herchcovitch e do ritmo da vida contemporânea.
Sem tema declarado, ele preferiu o caminho da intuição. “Imaginei uma coleção que servisse para muita gente, não apenas para um público específico”, contou. E conseguiu: suas roupas transitam do streetwear à festa com naturalidade, conectando a precisão da alta moda à leveza de uma roupa que poderia estar tanto no tapete vermelho quanto sob o sol de domingo.
Nessa coleção, o estilista também decidiu reduzir, simplificar e purificar. “Fiz um exercício muito rígido de diminuir o número de costuras e recortes para que ficasse o mínimo para a construção de uma roupa e que obedecesse às formas do corpo”, explicou. Como se cada prega, torção ou zíper lateral revelasse apenas o essencial.
A paleta de cores, viva e sofisticada, exibiu azuis e pinks que saltam aos olhos e brilhos que iluminam, mas escapam dos limites da noite — porque, nas mãos de Herchcovitch, também pertencem à rua. Há algo de festivo mesmo nas peças mais simples: um vestido coluna em cetim duchese que desafia o óbvio, uma jaqueta de couro com recortes geométricos, uma capa de chuva florida que parece sorrir sob o temporal.
Os tecidos — náilon, sarja de algodão, tafetá, anarruga, crepe, plástico emborrachado — ganham fluidez e estrutura, o toque preciso de quem entende o corpo como extensão da forma. “A minha roupa não é minimalista, pelo contrário, é bem maximalista em todos os sentidos, mas agora resolvi fazer esse exercício — e acho que essa é a maior novidade nesta coleção”, completou o estilista.
No ano em que o São Paulo Fashion Week celebra 30 anos, Herchcovitch mostrou que olhar para o futuro não é sobre reinventar tudo, mas sobre reinventar o olhar. Ao suprimir costuras, ele amplia sentidos; ao tirar o excesso, encontra a emoção da forma pura. E assim, com 44 looks entre o desejo e o cotidiano, reafirma seu lugar de um criador que não segue tendências, mas as provoca. Sua moda é livre porque é sincera — e porque traduz o presente sem medo de parecer do futuro. No fim, fica a sensação de que a roupa dele não apenas veste o corpo, mas o tempo — e o tempo, nas mãos dele, é sempre agora.
Veja os looks:













