O Brasil não se cansa de discutir questões tributárias. Quase sempre, o contribuinte precisa se defender da sanha arrecadatória dos entes públicos. Na quinta-feira, 17 de outubro, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento de um caso tributário que pode afetar o preço dos combustíveis em todo o país e tem potencial de repercutir negativamente nos índices de inflação.
Os ministros analisam, em plenário virtual até o dia 24, se os estados podem exigir o estorno de créditos de ICMS quando combustíveis produzidos em seu território forem vendidos para outras unidades da Federação. A questão central é determinar se essa prática configura bitributação e, portanto, violação constitucional.
O caso específico em exame trata da manutenção dos créditos de ICMS em operações com combustível de aviação. Tal fato acende o alerta de companhias aéreas e de passageiros, já que o reconhecimento da tese dos estados causaria a oneração das passagens aéreas no país.
A eventual prevalência do entendimento dos estados de origem na cobrança do ICMS sobre o querosene de aviação (QAV) teria forte impacto inflacionário. Isso porque o tributo pago na aquisição do produto na refinaria deixaria de ser aproveitado como crédito quando o combustível fosse destinado a outro estado, transformando-se em despesa adicional das distribuidoras. Essa despesa, inevitavelmente, seria repassada ao consumidor final — sobretudo nos estados que não possuem refinarias — configurando uma dupla tributação do ICMS: tanto no estado de origem quanto no de destino.
De acordo com a Nota Técnica, a dupla incidência elevaria o preço médio do QAV em 19%, em um cenário em que o combustível já é 30 % mais caro, em dólares, do que o praticado nas bombas dos Estados Unidos. E, em caso de o entendimento dos Estados prevalecer, essa diferença subiria para 55%. O encarecimento do transporte aéreo pressionaria diretamente os custos das companhias e, de forma indireta, impactaria toda a cadeia de preços — passagens, logística, turismo e frete aéreo — com efeitos inflacionários disseminados. Além disso, a distorção tributária gera decisões antieconômicas, forçando empresas a buscar fornecedores em estados com regimes mais favoráveis, mesmo que logisticamente mais caros, agravando a ineficiência e os custos sistêmicos do setor.
A disputa envolve a interpretação do artigo 155 da Constituição Federal, que estabelece as regras de tributação do ICMS para operações interestaduais com derivados de petróleo. Segundo a Constituição, nessas operações o imposto deve ser cobrado integralmente pelo estado de destino, onde o combustível será consumido. Alguns estados produtores, no entanto, vêm exigindo que empresas distribuidoras anulem créditos tributários de operações anteriores quando o produto é vendido para outro estado.
Reconhecendo o problema que a pretensão dos estados pode causar, o Ministério público Federal manifestou-se contrária à bitributação em parecer enviado ao STF. Segundo o órgão, a prática violaria princípios constitucionais fundamentais, como a não cumulatividade tributária e o pacto federativo. O Ministério Público Federal argumenta que a Constituição já prevê compensação aos estados produtores por meio dos royalties do petróleo e que permitir dupla arrecadação de ICMS seria uma distorção do sistema tributário nacional.
O setor produtivo acompanha atentamente o julgamento. Diversas entidades empresariais protocolaram manifestações como amicus curiae, alertando para os riscos econômicos da bitributação. Entre os argumentos apresentados está o de que a medida poderia tornar o combustível nacional menos competitivo que o importado, já que este último não sofreria dupla tributação.
A questão ganha relevância adicional no contexto da reforma tributária em discussão no Congresso Nacional. A Lei Complementar 192/2022 já estabeleceu novas regras para a tributação de gasolina e diesel, determinando cobrança única no estado de destino. O julgamento atual pode definir se essa lógica se estende a outros derivados de petróleo.
As autoridades econômicas têm monitorado atentamente decisões com potencial inflacionário, embora não comentem casos específicos. De fato, há preocupação com possíveis decisões que possam pressionar os índices de preços.
A votação prossegue até a próxima sexta-feira, dia 24, quando será divulgado o placar final desta etapa do julgamento. O STF tem histórico de julgar casos similares com cautela, especialmente quando há impactos econômicos significativos envolvidos. Em precedente sobre energia elétrica, a Corte já havia decidido que todo o ICMS em operações interestaduais deve ficar com o estado consumidor, o que pode indicar uma tendência para o caso atual.
O resultado deste julgamento, ainda que sujeito a recursos, sinalizará o entendimento predominante do STF sobre a questão e influenciará as estratégias tanto de estados quanto de empresas que operam tanto na distribuição de combustíveis quanto em logística e transporte aéreo, entre outras.