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Dois meses depois de instalada, CPMI do INSS mostra rumo preocupante

Quando a Polícia Federal começou a bater à porta de uma dezena de entidades suspeitas de terem desviado bilhões de reais dos aposentados do INSS, não restava dúvida de que o país estava diante de mais um monumental escândalo de corrupção — maior que o mensalão, o esquema descoberto no primeiro governo Lula, e comparável em sua dimensão ao petrolão, o assalto aos cofres da Petrobras revelado no governo Dilma Rousseff. Essa inédita modalidade de crime incluiu a crueldade como arma. As vítimas eram idosos, muitos deles doentes, com dificuldades cognitivas ou analfabetos, que foram enganados ou induzidos por espertalhões a autorizar descontos em suas já minguadas pensões. O Congresso criou uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para investigar o caso. Dois meses depois de instalada, no entanto, até agora ela não conseguiu avançar um milímetro sequer na direção do que interessa. Disputas políticas, vaidades, interesses nem sempre legítimos e conveniências têm dificultado e até mesmo impedido a apuração de certos episódios. A continuar assim, a CPMI corre o risco de terminar num retumbante fiasco.

A investigação da polícia revelou em abril passado que associações e sindicatos se uniram a lobistas e montaram uma quadrilha que descontou ilegalmente cerca de 4 bilhões de reais das aposentadorias dos idosos. A engrenagem funcionou durante seis anos e era movida a pagamento de propinas. Os recursos roubados entravam na conta das entidades, eram transferidos a empresas criadas para lavar o dinheiro e, somente depois, suspeita-se, chegava ao bolso dos beneficiários finais. A CPMI terá grande valia se conseguir iluminar essa última etapa do processo. Pistas não faltam. Relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) já revelaram pagamentos milionários e, ao mesmo tempo, estranhos a bancas de advocacia e a determinadas pessoas por serviços não explicados. A comissão tem poderes para quebrar os sigilos dos suspeitos, pode convocá-los a depor e realizar diligências em busca de esclarecimentos sem as limitações de uma apuração convencional. Algumas bancadas, porém, têm se empenhado em evitar que isso aconteça.

PROTEGIDO - Boudens (à dir.): pedido de quebra do sigilo bancário foi rejeitado
PROTEGIDO - Boudens (à dir.): pedido de quebra do sigilo bancário foi rejeitadoRoque de Sá/Agência Senado

Há três semanas, por exemplo, VEJA revelou um episódio que merecia uma investigação aprofundada. O advogado Paulo Boudens, um conhecido e bem relacionado funcionário do Senado, recebeu 3 milhões de reais de uma das empresas investigadas pela polícia. O mínimo que se esperava é que ele fosse instado a se explicar, o que sequer aconteceu. Ao contrário. Os parlamentares da bancada governista, que são maioria na comissão, rejeitaram o pedido para quebrar o sigilo do advogado e descartaram a possibilidade de intimá-lo a depor — uma incompreensível falta de curiosidade para quem exerce a função de investigador. Nos bastidores, especula-se que essa inapetência teria a ver com o fato de Boudens ser homem de confiança do presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Os governistas também atuaram para evitar o depoimento de um empresário que havia se colocado à disposição para falar sobre as conexões políticas do esquema e também já haviam avisado que seriam rejeitados os requerimentos de convocação de José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente Lula.

Frei Chico é vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), uma das entidades suspeitas de participação no desvio das aposentadorias. Na terça-feira 14, o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, determinou o sequestro dos bens da entidade e de seus dirigentes. O irmão do presidente não é formalmente investigado e nem foi alvo da operação. A oposição, por sua vez, diz ter uma imensa curiosidade de saber, entre outras coisas, se, como dirigente, ele teve conhecimento ou participação na operação do esquema de descontos que rendeu 389 milhões de reais ao sindicato nos últimos cinco anos, especialmente a partir de 2023, depois da ascensão de Lula ao governo. Na quinta-feira 16, foram colocados em votação sete requerimentos solicitando a convocação do sindicalista — todos, como previsto, rejeitados. “Esse empenho dos governistas em proteger o irmão do presidente é a maior prova de que há algo de muito grave escondido nessa relação entre ele e esse sindicato”, diz o deputado federal Marcel van Hattem (Novo-RS). “Aqui não é delegacia de polícia nem palco para espetáculo midiático”, rebate o deputado Paulo Pimenta (PT-­RS). “Frei Chico é um exemplo de brasileiro”, acrescentou. Enquanto isso, a investigação segue patinando.

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BLINDADO - Frei Chico: empenho para evitar depoimento do irmão de Lula
BLINDADO - Frei Chico: empenho para evitar depoimento do irmão de LulaPT/.

A CPMI já ouviu treze depoimentos, quebrou os sigilos de 230 pessoas físicas e jurídicas e reuniu mais de 200 gigabytes de documentos. Apesar da falta de avanços, a cúpula do colegiado avalia que o saldo dos primeiros dois meses de trabalho é positivo. “Quem achar que essa CPMI será palco de espetáculo, vai se frustrar. Vamos apontar nomes, conexões e beneficiários finais do esquema”, promete o senador Carlos Viana (Podemos-MG), presidente da comissão. Para o deputado Alfredo Gaspar (União Brasil-AL), relator, os habeas corpus concedidos pelo Supremo Tribunal Federal, que garantiram o direito ao silêncio aos depoentes, e a blindagem política de personagens centrais da trama são obstáculos que serão superados a partir de novas estratégias de apuração que estão sendo traçadas. “Os bandidos de estimação de alguns serão desmascarados”, diz o parlamentar. Pode ser. Mas o histórico dos últimos dois meses não dá margem a muito otimismo.

Publicado em VEJA de 17 de outubro de 2025, edição nº 2966

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