A preocupação com a violência disparou no Brasil. Segundo pesquisa da Genial/Quaest divulgada em 8/10, a segurança pública é a questão que mais aflige os brasileiros, com 30% das respostas. Na sequência aparecem os problemas sociais (18%), a economia (16%), a corrupção (14%), a saúde (11%), a educação (6%) e o medo da guerra (3%). Um cenário bem diferente do de dezembro do ano passado, em que a economia era a maior preocupação, com 21%. Desde então, o medo da violência cresceu 10 pontos percentuais e se consolidou como a preocupação número um no país.
“Nem a esquerda, nem a direita, têm respondido às necessidades dos brasileiros de segurança pública”, diz César Muñoz, diretor da organização internacional Human Rights Watch no Brasil, em entrevista à coluna. “As estruturas de segurança pública ainda estão muito divididas, espalhadas em diversos órgãos, que às vezes não se coordenam bem entre si, enquanto o crime organizado não conhece fronteiras”, avalia.
NOS ESTADOS, TEM PREVALECIDO UMA VISÃO ELEITOREIRA DA SEGURANÇA PÚBLICA
Para o especialista, “precisamos ter uma resposta enérgica contra esses grupos [crime organizado] que são a principal fonte de insegurança”. Para que isso aconteça, Muñoz defende que haja uma coordenação central, do governo federal, respeitando a divisão de responsabilidades constitucionais, e um esforço grande de investigação sobre lavagem de dinheiro e tráfico de armas, por exemplo.
Por enquanto, segundo ele, o que tem prevalecido é uma “visão eleitoreira” do processo. “Os políticos têm tendência de querer ter um resultado visível em curto prazo”, critica. Visão que tem resultado, segundo ele, em soluções simplistas como colocar polícia de forma ostensiva nas ruas ou até mesmo as forças armadas em determinadas operações estaduais.
“Obviamente, você precisa ter polícia na rua, mas o que realmente tem efetividade no combate contra a criminalidade é uma estratégia de segurança baseada em dados e investigação aprofundada que identifique, por exemplo, quem são as lideranças no crime e mesmo a sua vinculação com políticos ou com a própria polícia”, diz.
AVANÇOS IMPORTANTES, MAS AINDA INSUFICIENTES
Para Muñoz, houve avanços importantes nos últimos anos, como o impulso do governo federal às câmeras corporais, com a criação, inclusive, de um protocolo. Outro ponto positivo ressaltado por ele é que, pela primeira vez, o governo federal está publicando dados de segurança pública numa plataforma do Ministério da Justiça aberta para todo mundo.
Faltam ainda, no entanto, informações importantes sobre o que acontece depois do crime. “Quantas denúncias de morte por policiais ocorreram? Quantos casos foram julgados? Quantos deles foram arquivados?”, questiona. “Há uma decisão da corte interamericana de direitos humanos que determina que o Brasil tem que criar essa base de dados e ela não foi criada até agora”, alerta.
PERÍCIA INDEPENDENTE É FUNDAMENTAL PARA AS INVESTIGAÇÕES
Segundo o especialista, uma das principais lacunas ainda é a questão da independência da perícia, fundamental para que as investigações envolvendo, muitas vezes, altos escalões possam acontecer sem pressões. “Os peritos estão mobilizados para incluir essa questão na PEC da segurança pública (PEC 18/2025), que está na Câmara dos Deputados, e para promover a PEC 76/2019 sobre autonomia das perícias, que está no Senado. Isso seria muito importante para avançarmos na luta contra a criminalidade no Brasil”, defende.
Hoje, de acordo com o dossiê Perícia Criminal, publicado em outubro de 2024, pelo Instituto Vladimir Herzog e pela Fundação Friedrich Ebert Brasil, há apenas dez estados no Brasil com a perícia totalmente desvinculada da polícia civil.
Um dos mecanismos que a Human Rights Watch tem defendido para que essa questão avance é condicionar a transferência de dinheiro do Fundo de Segurança Pública do governo federal aos estados à promoção da independência da perícia em relação à polícia civil e a melhora da sua qualidade, por exemplo.
De forma geral, o diretor da Human Rights Watch no Brasil avalia que houve avanços importantes nessa área no governo do presidente Lula, mas os desafios ainda são muito grandes. A pesquisa não deixa dúvidas disso.
* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos. Siga a colunista no Instagram.