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O que nunca contaram a você sobre os chamados ‘superalimentos’

Nos dias de hoje, é difícil caminhar pela seção dedicada à alimentação em uma livraria ou folhear uma revista sem encontrar os “superalimentos”. O termo não tem definição oficial, mas geralmente é compreendido com o seguinte significado: um determinado alimento traria algum tipo de benefício à saúde além da simples nutrição.

Embora a descrição de um alimento como sendo “super” – termo originário do latim “acima” – seja relativamente recente, a crença de que alguns alimentos têm propriedades desejáveis ​​acima dos outros é antiga.

Já em 2000 a.C., os chineses consideravam o alho um auxiliar digestivo, e os gregos o empregavam para energizar soldados nas batalhas, além de melhorar o desempenho dos primeiros atletas olímpicos. Costuma-se dizer que os faraós egípcios forneciam alho aos trabalhadores dedicados à construção das pirâmides para que pudessem obter força extra.

O célebre Papiro Ebers, datado de cerca de 1500 a.C., recomenda “meia cebola e a espuma da cerveja como remédio delicioso contra a morte”. Hipócrates indicava lentilhas como tratamento para úlceras, enquanto o médico romano Galeno, em seu tratado As faculdades dos alimentos, descrevia como os “quatro humores” do corpo poderiam ser afetados pela dieta.

A ideia de que esses humores (bile amarela, bile negra, sangue e catarro) eram a chave para a saúde só começou a perder força no século XVIII, quando a demonstração de James Lind de que era possível curar o escorbuto utilizando frutas cítricas e a descoberta do metabolismo por Lavoisier lançaram as bases para a ciência nutricional moderna.

A determinação de Justus von Liebig – de que os alimentos eram basicamente uma combinação de gorduras, carboidratos e proteínas – alterou o foco dos quatro humores para a sua composição química como determinante da saúde.

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A ligação da fisiologia à dieta possibilitou, da mesma forma, o surgimento de gurus que começaram a promover alimentos específicos para a saúde. Nos EUA, Sylvester Graham defendeu uma dieta de vegetais e grãos grossos e, em 1837, até abriu uma loja de provisões Graham, em Boston – a primeira de alimentos saudáveis ​​do país. Um discípulo de Graham, James Caleb Jackson, introduziu a granula, uma farinha rica em fibras, cozida e fragmentada em pequenos pedaços, que não só deveria ser saudável, mas também serviria para dissuadir as pessoas de buscar “autoprazer”, prática vista como prejudicial à saúde.

Outro devoto de Graham, Dr. John Harvey Kellogg, introduziu o iogurte como um alimento saudável e, na década de 1940, J. I. Rodale atribuiu propriedades maravilhosas à agricultura orgânica, além de promover diversos suplementos alimentares.

Dessa forma, as bases para os “superalimentos” foram estabelecidas; o primeiro uso exato desse termo, contudo, é algo misterioso. Alega-se que certo poema, publicado em um jornal jamaicano durante a Primeira Guerra Mundial, usou essa palavra em referência ao vinho; vários artigos sobre superalimentos na internet, por sua vez, citam material supostamente publicado em Alberta, no Lethbridge Herald em 1949, que descrevia um tipo de muffin como “um superalimento que contém todas as vitaminas conhecidas e algumas que ainda não haviam sido descobertas”.

Talvez tais versões sejam verdadeiras, mas uma busca no Google não foi capaz encontrar nem o poema jamaicano, nem o artigo sobre o tal muffin. Assim, as bananas assumiram o manto de “superalimento”: em um artigo de 1924 de Sidney Haas sobre o tratamento da doença celíaca em crianças, é sugerida uma dieta de bananas, leite, sopa, gelatina e um pouco de carne. Na época, não se sabia que essa doença era uma reação adversa ao glúten – assim, as bananas receberam o crédito. Tal dieta funcionava não porque incluía bananas, mas porque excluía o glúten.

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Capa: Contexto
‘O surpreendente mundo da Ciência’, de Joe Schwarcz (Tradutor: Alcebiades Diniz Miguel; Editora Contexto; 240 páginas)Capa: Contexto/Reprodução

Quando a questão é implantar a ideia de “superalimentos” na mente do público, eu diria que o crédito um tanto duvidoso deve ser dado ao osteopata e naturopata britânico Michael van Straten, um prolífico escritor de livros dedicados à “saúde natural” e apresentador do Bodytalk, programa de rádio de longa duração. Em 1990, ele publicou Superfoods, atribuindo propriedades terapêuticas, bem como para prevenção de doenças, a maçãs, brócolis, cebolas, nozes, abacates e uma série de outros alimentos.

Seguiu com outros livros nessa linha “super”, com títulos bastante atraentes: Super Juice, Super Soups, Superfoods Super Fast, Super Boosters, Super Herbs e, para aqueles que não se alimentam dos superalimentos, Super Health Detox.

As ideias de Van Straten a respeito de superalimentos foram inspiradas por um tônico suíço, o Bio-Strath, inventado pelo químico alemão Walter Strathmeyer. Ao recomendar esse tônico para seus pacientes na década de 1960, Van Straten recebeu relatos de como a substância resultava em aumento de energia e na solução de todos os tipos de problemas de saúde; assim, abriu uma empresa para importar e comercializar esse produto. O Bio-Strath resultava da mistura de uma ampla variedade de plantas medicinais e levedura de cerveja rica em vitamina B. Foi essa mistura que impulsionou Van Straten à fama de forma singular.

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Barbara Cartland já era à época uma escritora de romances bastante célebre, tendo publicado cerca de 723 títulos que acumulavam vendas de mais de 1 bilhão de exemplares. Apesar de não ter nenhuma educação científica, ela também se aventurou na área de nutrição, descrevendo como consumia até 100 suplementos alimentares diariamente. Quando Margaret Thatcher ocupou o cargo de primeira-ministra, recebeu uma carta de Cartland com um anexo contendo pílulas que “levariam oxigênio a todas as partes do corpo, incluindo o cérebro”.

Em 1964, Cartland escreveu um artigo abordando o fato de que estava deprimida devido à morte de seu marido. Em resposta, Van Straten lhe enviou algumas garrafas de Bio-Strath, o que inspirou uma longa amizade. A dupla chegou até mesmo a abrir uma loja de alimentos orgânicos e saudáveis; quando Cartland foi convidada a participar de um programa de rádio a respeito de comida junto a cinco professores, impôs como condição para aceitar o convite que Van Straten pudesse ir também.

Ele deve ter se saído bem, pois logo lhe ofereceram um programa regular próprio, que abriu caminho para sua série de livros com prefixo super. Uma enxurrada de publicações de outros autores se seguiu, promovendo bagas de goji, suco de noni, sementes de chia, couve, quinoa, kefir, espirulina, chá verde, algas marinhas e alho como instrumentos necessários para manter a morte ceifadora distante.

No entanto, o fato é que “superalimento” é um termo da propaganda, não da ciência. É possível ter uma dieta saudável sem incluir nenhum dos alegados superalimentos, e uma dieta não saudável mesmo consumindo café chaga, frutos de maquis ou nozes-de-tigre. O único alimento que poderia ser legitimamente chamado de superalimento seria qualquer coisa consumida pelo Super-Homem.

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* Joe Schwarcz é diretor do Centro de Ciência e Sociedade da Universidade McGill, no Canadá, e autor de O Surpreendente Mundo da Ciência, recém-publicado pela Editora Contexto

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