A edição de VEJA desta semana mostra como a primeira-dama Janja da Silva tem intensificado encontros com segmentos do público evangélico, com um discurso voltado, principalmente, em programas sociais do governo e no papel da mulher na sociedade.
A movimentação tem sido articulada com o apoio da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, grupo progressista criado em 2016 e que já apoiou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Quem tem ciceroneado Janja é Nilza Valéria Zacarias, jornalista e coordenadora da frente e que atua também como conselheira da Presidência da República.
Casada com o teólogo e pastor Marco Davi Oliveira, é ela quem organiza os encontros, como a ida com Lula ao podcast Papo de Crente, em setembro. Nos últimos meses, foram ao menos cinco encontros com representantes do público evangélico — todos acompanhados por Nilza.
Desde julho, Janja esteve em cultos no Rio, em Salvador, Manaus e Ceilândia (DF) — esta última cidade natal da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que é evangélica e antecedeu Janja no proselitismo político na comunidade.
A movimentação da primeira-dama pelos templos, inclusive, tende a crescer — e pelas mãos de Nilza, que fica responsável por receber e organizar os pedidos de visitas. “Nós tivemos cinco encontros até agora e temos a pretensão de fazer mais. À medida que a gente está fazendo, muitas irmãs foram pedindo que os encontros acontecessem em seus estados. Então temos organizado como fazer isso, porque depende da agenda da primeira-dama”, afirma a jornalista a VEJA.
Nilza explica que, mais do que “apenas” participações em cultos, os encontros são rodas de conversa que se propõem a ouvir as mulheres — sobretudo mulheres negras e periféricas, que são quem compõem a maior parte da fatia do eleitorado evangélico hoje no país.
“Nós entendemos que é importante ouvir as mulheres evangélicas que estão nas periferias das cidades, das suas comunidades, porque elas alimentam toda uma rede de assistência e solidariedade. É importante que essas mulheres sejam ouvidas, e que de alguma forma, conheçam as políticas públicas, porque é uma maneira de potencializar o que já é feito. A nossa motivação é fazer um encontro da política pública com a rede de solidariedade, pra que as duas pontas sejam potencializadas”, diz.
O foco em políticas públicas do governo — e o distanciamento de temas espinhosos como a pauta conservadora — tem sido o tom dos encontros de Janja. Nas reuniões, tem falado sobre programas como o Gás do Povo e a isenção do Imposto de Renda para trabalhadores que recebem até 5.000 reais por mês.
Apesar de, pretensamente, apenas começar a valer no próximo ano, o anúncio de que a população de menor renda terá “mais dinheiro sobrando no fim do mês” tem alavancado a popularidade do presidente — cuja base aliada se debruça agora sobre a “pauta positiva”.
“A grande base do público evangélico é quem tenda renda familiar de até dois salários mínimos. E é óbvio que a isenção do IR beneficia esse público”, diz Nilza Valéria. “Isso que a gente ainda não teve uma campanha maciça do governo de divulgação sobre a isenção. A expectativa é que a aprovação até se amplie”, diz.
Eleições
Questionada sobre o potencial de atração eleitoral que a penetração junto ao público evangélico pode ter na disputa presidencial do próximo ano, Nilza afirma que a Frente de Evangélicos, em si, não está em campanha — e que, no momento adequado, e se assim for decidido, se posicionará publicamente sobre o apoio a um ou outro postulante.
“A gente não está, ainda, em processo eleitoral. A crítica [que é feita] de ser campanha eleitoral, de isso estar voltado para as eleições, não cabe. Porque, primeiro, a Frente de Evangélicos não é candidata a nada. A Frente é um movimento que reúne cristãos evangélicos em defesa da democracia, de direitos e de políticas públicas. E o momento que a gente está fazendo foi o momento que foi possível de fazermos isso”, afirma.
“O segundo ponto, é que no campo evangélico não há uma liderança que unifique o campo. Ninguém pode, de maneira alguma, falar em nome de todos os evangélicos brasileiros. Eu sou de uma igreja, sou crente, sou membro da minha igreja, e a minha liderança é o meu pastor local. O campo evangélico brasileiro não se estrutura de forma que tenha uma liderança única, ou um grupo que lidere. Há diversos líderes, diversos pastores, sendo que a maioria dos evangélicos brasileiros hoje pertencem a igrejas independentes”, prossegue.
‘Instrumentalização’
A jornalista e escritora (é autora do livro de contos A Casa da Rita) Nilza Valéria também critica o que classifica de movimento de acusações que recaem sobre os evangélicos, de que o público é “instrumentalizado” por pastores e outras lideranças.
“No caso do povo evangélico, esse movimento que a primeira-dama faz, de se dispor a aceitar nosso convite para ouvir mulheres evangélicas, já contribui também, porque a aproxima de um campo que tem sido acusado sistematicamente de ter sido instrumentalizado. E não tem nada pior para uma pessoa do que ela falar que ela é instrumentalizada, ou que ela não é dona da própria vida”, diz a jornalista.
“E de forma muito triste falam: evangélicos são aqueles que fazem o que o pastor fala. Como se fosse negado o direito de escolha e de autonomia dessas pessoas. As mulheres que participam do encontro com a primeira-dama, que são pequenos ainda, a gente vai numa crescente, essas mulheres estão muito felizes porque elas foram ouvidas. E isso acaba tendo um efeito positivo e que vai alcançando outras mulheres”, assinala.