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A educação cidadã e sustentável

 

 

Em Belém do São Francisco, Sertão pernambucano, uma menina de 11 anos foi espancada há poucos meses por crianças da mesma faixa etária após dizer não a um pedido de namoro dentro de uma unidade de ensino municipal. Vivenciar um recreio diferente onde a misoginia e o machismo estejam fora do cotidiano escolar não será mais possível para Alícia Valentina. Infelizmente, ela não sobreviveu.  


Lembrei desse caso inúmeras vezes enquanto participava, representando a Escola da Democracia, do Encontro Nacional de Educação Cidadã (ENEC) e da reunião do Conselho Consultivo para a Educação Democrática (CCED), no mês de  outubro, em São Paulo. Foram dois dias de intensas reflexões com organizações da sociedade civil, entes governamentais e outras instituições, sobre o papel da educação no fortalecimento de valores democráticos entre crianças e adolescentes e quais as vias possíveis para implementação de uma educação cidadã nas escolas brasileiras.

Como um raio de sol que teima em iluminar uma longa estrada desde longe, surge a Portaria MEC Nº 642, de 16 de setembro de 2025, após mobilização de mais de 120 organizações integrantes da Rede Nacional de Educação Cidadã. O dispositivo institui o Programa Educação para a Cidadania e para a Sustentabilidade, cuja finalidade é “promover ações destinadas ao fortalecimento e consolidação de esforços e iniciativas de educação para a cidadania e para a sustentabilidade em contexto escolar, ao longo de toda a educação básica, na perspectiva de assegurar a implementação dos temas transversais contemporâneos, expressos na Base Nacional Comum Curricular – BNCC”. A proposta é desenvolver competências para que crianças e adolescentes estejam aptos e aptas ao pleno exercício da cidadania e à participação autônoma, responsável e solidária no convívio social em uma democracia.

Os estudantes deverão vivenciar ensinamentos, dentre outros temas, sobre a valorização das múltiplas formas de participação social e política; o pluralismo de ideias e a valorização da diversidade; sobre a importância da defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania. A expectativa é que o programa alcance 1 milhão de estudantes por ano, com adesão voluntária de estados e municípios.

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Neste contexto, é inegável que a portaria expressa avanços significativos, mas também evidencia desafios. A articulação da sociedade civil é crucial, sendo indispensável a construção de uma estratégia robusta para fomentar essa adesão no menor tempo possível e de forma eficiente. Nossas crianças e adolescentes não podem esperar por um futuro incerto diante de um presente deveras ofensivo. Ao olharmos para o passado, vemos um vasto repertório de lutas e direitos conquistados. Não faltam motivos para acreditar que sim, é possível uma educação para a cidadania e sustentabilidade em todas as escolas públicas brasileiras.

A vida de Alícia Valentina não pode ser trazida de volta, mas uma sociedade onde o bem-viver seja elemento consolidado num verdadeiro estado democrático de direito já está a caminho. Quem ousará não subir nesse bonde por uma escola mais crítica, humana, saudável e sustentável?

 

* Madalena Rodrigues é advogada e Diretora de Desenvolvimento Institucional da Escola da Democracia. Mestranda em Ciências Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Enquanto grantee do IIE – The Power of International Education, coordenou a pesquisa “Retratos da política no Recife: um estudo sobre mandatos do legislativo municipal e o eleitorado pelo fortalecimento da democracia”, financiada pela Open Society Foundations (OSF)

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