‘Milagres acontecem’, celebrou o enviado americano Steve Witkoff sobre a volta dos reféns e a possibilidade de que, em etapas próximas, comece a ser traçada uma paz definitiva. “Vocês demonstraram que a paz não é fraqueza. É a mais elevada forma de força”. A libertação dos reféns nessa manhã confirmou a excepcionais palavras do bilionário do ramo imobiliário transformado em negociador vitorioso.
+ Hamas liberta vinte reféns israelenses após 738 dias de cativeiro em Gaza
Quem imaginaria que um homem que parece saído diretamente de um episódio dos Sopranos, com suas camisas estampadas e sobretudos de gosto duvidoso, estaria agora pontificando sobre os extraordinários acontecimentos no Oriente Médio – e merecidamente, visto que teve um papel fundamental no acordo?
Falando a um público de judeus, ele elogiou os parceiros árabes e seu papel “crítico e integral” no acordo que tantas esperanças traz para todo o mundo. “Cada um dos nossos amigos e parceiros árabes vem de nações que escolheram a reconciliação em lugar do ressentimento”. São palavras simplesmente emocionantes, ditas no coração de Israel, a praça onde durante dois anos familiares e amigos lutaram pela devolução de seus seres queridos.
Witkoff estabeleceu uma conexão especial com os familiares, baseado na própria experiência: ele sofreu a dor indizível de perder um filho, levado por uma overdose. Muitos israelenses notaram que Benjamin Netanyahu nunca demonstrou nem a mínima parcela da empatia e da humanidade de Witkoff em relação a essas pessoas. Com Donald Trump dominando o show, muitas dessas broncas passaram a pertencer ao passado – e mais um pequeno milagre aconteceu: o presidente egípcio, que chegou muito perto de romper com Israel, convidou Netanyahu para a supercúpula que acontece logo mais em Sharm Al Sheik.
‘A ESPADA CONTINUA LÁ’
Com toda sua bagagem, o primeiro-ministro, que recuperou alguns pontinhos desde o anúncio do acordo e continua a ser o líder do partido que seria o mais votado em futuras eleições, foi excepcionalmente bom, e sob vários pontos de vista brutalmente impiedoso, em manter “a espada no pescoço” do Hamas.
O preço foi a terrível destruição sofrida pela população civil – cerca de 40 mil mortes. O Hamas também já voltou a circular em Gaza, matando um inimigo interno aqui outro ali, e ninguém ainda sabe como será realizada a parte do acordo que prevê seu desarmamento e desativação. Mas “a espada continua lá”, avisou Netanyahu.
Uma das partes mais amargas, a libertação de prisioneiros palestinos condenados por múltiplos crimes de sangue contra judeus, incluindo 250 condenados à prisão perpétua, foi assimilada pela maioria da população. Ver os reféns que passaram dois anos enterrados vivos vale a amargura.
Entraram nessa conta os inacreditáveis golpes desferidos por Israel no coração de seus inimigos – Hamas, Hezbollah, Irã, todos sentiram a força e a argúcia das forças de defesa e dos serviços de inteligência. O pacto nacional pós-Holocausto, o de que nunca mais judeus não podem ser mortos em massa, foi restaurado. Sem estas manifestações de força, não poderiam ter sido feitas as concessões que agora abrem caminho para, mais do que a cessação de um conflito, a possibilidade de um grande acordo.
Hoje será um dia raro na história da humanidade: assustados, acuados, chantageados, seduzidos, entusiasmados ou simplesmente impressionados por Donald Trump, os líderes dos países ocidentais e muçulmanos mais importantes, além de instituições como a ONU, estão no Egito para dar um respaldo sem precedentes ao arcabouço da paz, praticamente em seguida a emocionante libertação dos últimos vinte reféns.
‘ODIAMOS A GUERRA’
Tão importante quanto a alegria dos sobreviventes palestinos é a sensação dos israelenses de que seus mais de 470 jovens que tombaram em Gaza não morreram em vão. Lutaram por um país que talvez, com todas as cautelas que a história nos ensina a ter, tenha a possibilidade de viver em paz e segurança. Sem sua força, não haveria nada disso e os inimigos de Israel estariam agora preparando mais ataques bárbaros para erradicar o país. Em vez disso, estão vendo muitos árabes e israelenses alinhados com o mesmo propósito de pacificação. Isso é uma vitória maior ainda do que as obtidas nos campos de batalha.
Os ressentidos por verem uma vitória de Trump e Netanyahu podem ficar choramingando pelos cantos. Os inteligentes entendem que precisam se adaptar. “Se a implementação de todas as fases desse plano de paz reconstruir o caminho para uma paz entre israelenses e palestinos, isso valeria um Nobel da Paz. Talvez dois”, reconheceu o colunista Tom Friedman, depois de passar a guerra inteira imprecando contra Trump e Netanyahu e garantindo que seria impossível um acordo com ambos no poder. Os copiadores de Friedman deveriam prestar atenção na guinada.
“Nós odiamos a guerra”, disse o primeiro-ministro israelenses ontem. “Eu tive que lutar em guerras. Perdi amigos próximos. Meu filho serve na mesma unidade de operações especiais em que eu servi. Temos muito em jogo, ninguém em Israel quer matar ou morrer. Mas sabemos que, se em algum momento, baixarmos as armas, seremos massacrados, como em 7 de Outubro – e isso não é algo que vamos permitir”.
Que ninguém nunca mais dependa das armas para sobreviver é uma aspiração que todas as pessoas decentes deveriam compartilhar.