O desenvolvedor japonês Hideo Kojima, criador da franquia Metal Gear, esteve em São Paulo como convidado da Brasil Game Show (BGS) — evento no qual recebeu um prêmio de Contribuição Vitalícia, em 2017. No sábado, 11, ele compartilhou com um grupo de jornalistas de veículos brasileiros e de outros países da América Latina comentários sobre sua filosofia de trabalho e o processo de desenvolvimento da saga Death Stranding.
Em conversa com a imprensa, Kojima descreveu seu processo criativo como ininterrupto. “É quase como uma doença”, disse o designer, explicando que as ideias surgem continuamente, seja enquanto assiste a filmes, lê, caminha ou conversa com a família. “Imagino coisas continuamente. Mesmo quando estou conversando com minha família, em minha mente estou em um mundo completamente diferente.”

Aprofundando-se na essência filosófica de Death Stranding (2019), o jogo foi concebido para abordar a divisão e o isolamento no mundo. Kojima buscou criar uma experiência que explorasse as “conexões soltas” e indiretas entre os jogadores, um contraste com a maioria dos jogos que focam apenas no combate. Ele reiterou a inspiração no conceito japonês de “corda e pau” de Kobo Abe: o bastão é usado para repelir o mal, e a corda, para unir o bem. No jogo, o protagonista Sam Bridges (Norman Reedus), um entreador de comida que pode retornar à vida após a morte, encarna esse paradoxo, sendo um indivíduo isolado cuja missão é reconectar uma América devastada.
O impacto da pandemia de Covid-19 foi fundamental para a criação da sequência, Death Stranding 2: On the Beach (lançada em junho). Kojima revelou que precisou reescrever a narrativa “do zero” para refletir as mudanças globais e sua experiência pessoal de isolamento durante a doença. Ele refletiu sobre como o mundo se moldaria com o excesso de conexões virtuais (como o trabalho remoto ou o metaverso), observando que isso limitaria encontros presenciais, como os da BGS.
A profundidade de Death Stranding reside não apenas nas conexões, mas também na exploração do Absurdismo Existencialista, ecoando a filosofia de Albert Camus. A tarefa de Sam Bridges, de atravessar paisagens vastas e desoladas para entregar suprimentos, remete ao mito de Sísifo, condenado a uma labuta repetitiva e aparentemente inútil. O gameplay da caminhada — incluindo a gestão de peso e terreno — sublinha essa absurdidade. No entanto, Sam, o herói absurdo, encontra propósito na ação incessante, desafiando a indiferença do universo.
Surpreendentemente, Kojima fez uma revisão do roteiro de DS2 na metade do desenvolvimento para torná-lo mais polêmico, depois que os testadores o consideraram “bom demais”. Ele explicou: “Se todos gostam, significa que é mainstream. Significa que é convencional… Quero que as pessoas acabem gostando de coisas que não gostaram no primeiro encontro”.
Trabalhando com atores de Hollywood
Reconhecido por sua abordagem cinematográfica, Kojima justificou sua preferência por trabalhar com atores de Hollywood e da Europa, como Norman Reedus, Léa Seydoux e Mads Mikkelsen. Para ele, o “material humano” é essencial, já que jogos modernos (não-cartunizados) utilizam escaneamento facial e captura de performance. Como o processo de filmagem pode levar cerca de três anos, é vital ter “confiança mútua” com o elenco.

Kojima revelou também o investimento em realismo técnico para DS2, trabalhando com a 3Lateral para refinar os rigs faciais dos atores, usando inteligência artificial (IA) para um resultado natural na performance. Sobre seus projetos futuros, o designer japonês está certo de que seu próximo jogo de terror, OD, será mais controverso do que a sequência de Death Stranding. Ele espera que OD seja “algo totalmente diferente” e que provoque uma resposta polarizada (“ame ou odeie”). Kojima conclui que a avaliação de suas obras só será alcançada daqui a “10 ou 20 anos”.
Por fim, Kojima confirmou que a narrativa de Death Stranding foi concluída com o lançamento da sequência. Embora tenha esboçado uma ideia para um terceiro título, ele gostaria de passar a tocha para outro diretor. Aos 62 anos, o designer garantiu que continuará no processo de construção de jogos “pelo maior tempo possível”.