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Com Minha Casa, Minha Vida, governo impulsiona setor imobiliário — e mira votos

Cada vez mais à vontade no papel de candidato à reeleição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva intensificou recentemente o anúncio de medidas destinadas a aliviar o bolso dos brasileiros em troca de votos em 2026. Muitas têm um claro viés populista e forte impacto fiscal, como a ampliação do programa de distribuição gratuita de gás de cozinha, que beneficiará 15,5 milhões de famílias ao custo de 5,1 bilhões de reais no próximo ano, e o aumento do número de contemplados por isenções ou reduções na conta de energia elétrica, que demandará quase 4 bilhões de reais. A maioria das benesses mira a população de baixa renda, tradicional reduto eleitoral de Lula. Para garantir o quarto mandato presidencial, porém, ele sabe que precisa reduzir sua rejeição entre os eleitores de renda mais elevada. A isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 000 reais mensais e a revisão da tabela para salários até 7 350 reais, aprovadas pela Câmara e em tramitação no Senado, são parte dessa estratégia. Outra frente é garantir o acesso da classe média a crédito imobiliário mais barato por meio do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Em maio, o governo surpreendeu o mercado ao anunciar a criação da faixa 4, destinada a famílias com renda de 8 600 a 12 000 reais por mês e imóveis avaliados entre 350 000 e 500 000 reais. A medida deve beneficiar cerca de 1,4 milhão de famílias, número comemorado pelo setor imobiliário. “São iniciativas muito bem-vindas”, afirma Yorki Estefan, presidente do SindusCon-SP, que representa as construtoras paulistas. “Elas mostram que o governo está atento ao setor.”

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O apoio à classe média chega em boa hora, já que esse é o estrato social que enfrenta mais dificuldades para comprar a casa própria. De um lado, a população de menor renda é beneficiada pelo MCMV desde 2009, quando foi criado. De outro, é comum que os mais abonados comprem imóveis à vista ou financiem apenas uma pequena parcela do valor. Já o crédito para o miolo da pirâmide é bancado sobretudo com recursos da poupança, cujo saldo vem caindo à medida que os correntistas sacam o dinheiro para investir em aplicações financeiras com maior rentabilidade, impulsionadas pela taxa Selic que se encontra acima dos 10% ao ano desde fevereiro de 2022. No primeiro semestre, ressalte-se, o saldo da poupança recuou 38 bilhões de reais, para 762 bilhões.

A retração do crédito imobiliário foi parcialmente compensada pelos bancos por meio da emissão de Letras de Crédito Imobiliário (LCIs). Para atrair investidores, esses títulos precisam oferecer juros compatíveis com os do mercado, o que eleva o custo de captação e, consequentemente, as taxas cobradas dos compradores da classe média. Enquanto a poupança remunera os depósitos com juros anuais de 6% mais a taxa referencial, o financiamento imobiliário já chega a cobrar até 13% ao ano. Até junho, foram financiados 211 500 imóveis com recursos da poupança, somando 73,6 bilhões de reais — uma queda de 15% no número de unidades e de 10% no valor em relação ao mesmo período do ano passado. “Os negócios imobiliários sustentados pela poupança caem há muito tempo”, afirma Clausens Duarte, vice-presidente de Habitação Social da CBIC, entidade que reúne as construtoras brasileiras. “É um setor muito sensível aos juros.”

MERCADO - Estande de vendas de apartamentos: novas empresas investem no segmento popular
MERCADO - Estande de vendas de apartamentos: novas empresas investem no segmento popularRubens Cavallari/Folhapress/.
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As dificuldades apenas aumentam o peso do MCMV, que já representa cerca de metade do mercado imobiliário brasileiro. No primeiro semestre, por exemplo, o programa popular bancou 93 535 das 186 547 unidades lançadas no país. Enquanto as vendas do setor, no geral, subiram 9,6% no período, as do MCMV saltaram 26%, para pouco mais de 95 000 unidades. A faixa 4 deve turbinar ainda mais os números. Desde que foi criada, em maio, o ritmo de unidades financiadas cresce 20% ao mês e as empresas creem que ela alcançará sua velocidade de cruzeiro dentro de oito meses, financiando 10 000 unidades mensais.

Como era de esperar, o enorme potencial do mercado despertou o apetite das incorporadoras. A MRV, maior construtora do país e com ampla experiência no Minha Casa, Minha Vida, está entre as mais beneficiadas. “A criação da faixa 4 foi muito boa para nós, porque alcança um nicho que sofria com o crédito caro”, afirma Eduardo Fischer, presidente da companhia. “Antes dela, trabalhávamos com poucos imóveis nesse segmento.” Outra empresa que deve sentir impacto imediato é a BRZ, de forte presença nas grandes cidades do Sudeste. Com cerca de 40% dos empreendimentos enquadrados nos critérios da nova faixa do MCMV, a incorporadora planeja ampliar sua atuação para além das regiões metropolitanas. “O teto de 500 000 reais para o valor das unidades viabiliza projetos em muitas cidades do interior”, afirma Anderson Morais, diretor comercial da BRZ.

SÃO PAULO, SP, 27.03.2024: Retrato de Eduardo Fischer, CEO da construtora MRV. Credito: Zanone Fraissat/Folhapress
EXPECTATIVA - Fischer, da MRV: faixa 4 do MCMV é positiva para as companhias, mas precisa se consolidarZanone Fraissat/Folhapress/.
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No acumulado do ano até agosto, o Índice Nacional de Custo da Construção, apurado pela Fundação Getulio Vargas, alcançou 5,13%, acima dos 3,15% registrados pelo IPCA do período. O aumento de custos desafia os incorporadores que atuam com o MCMV, mas também estimula a busca de soluções para produzir mais unidades com o mínimo de materiais e horas trabalhadas. Para o empresário Roberto Justus, a resposta está nas casas pré-moldadas. Em setembro, a Steel Group, empresa que ele fundou em 2023 com o sócio Daniel Gispert, inaugurou uma fábrica de 16 000 metros quadrados em Cajamar, na Grande São Paulo, com capacidade para fornecer 10 000 casas por ano, o que deve elevar o faturamento da companhia para 1 bilhão de reais. “Temos modelos com uma pegada popular para atender parceiros que atuem em projetos como o Minha Casa, Minha Vida”, afirma Justus. “O déficit habitacional só será atendido com a industrialização da construção para ganharmos escala.” A referência é à estimativa de que faltam 7 milhões de moradias no país.

Outro desafio é assegurar a continuidade da faixa 4. Ao contrário das outras faixas do MCMV, que são bancadas com recursos do FGTS, a nova classificação é sustentada pelo Fundo Social do Pré-Sal. A aplicação desse dinheiro em habitação foi sancionada por Lula neste ano. O governo destinou 15 bilhões de reais ao programa até dezembro e as construtoras esperam mais 20 bilhões no ano que vem. O receio é que, passada a eleição presidencial, em outubro de 2026, a faixa 4 seja de alguma forma desidratada.

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O setor também está otimista com o novo modelo de crédito imobiliário que acaba de sair do forno. Fruto de uma articulação entre a equipe econômica e o Banco Central, o sistema é baseado na flexibilização do depósito compulsório. Hoje, de cada 100 reais depositados na poupança, os bancos são obrigados a manter 20 reais numa conta do BC como margem de segurança. Outros 65 reais devem ser destinados ao crédito imobiliário com juros regulados, enquanto os 15 reais restantes podem ser emprestados a taxas de mercado. Pela nova regra, os bancos poderão aplicar parte do compulsório no mercado financeiro e usar o rendimento obtido para reduzir os juros cobrados dos mutuários. Na fase inicial, as instituições poderão liberar até 5% do valor retido, o que representa 35 bilhões de reais. Posteriormente, a liberação poderá chegar a 100% dos recursos. “Diante da queda do saldo da poupança, isso será um fator multiplicador de crédito”, afirma Luiz França, presidente da Abrainc, entidade que representa as maiores incorporadoras do país. Já o presidente Lula aposta que a medida também ajudará a impulsionar outro ativo: sua popularidade ao longo de 2026.

Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2025, edição nº 2965

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