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Dívida pública: uma má ideia

Tramita no Congresso um projeto que criaria um teto de 80% para a relação entre a dívida pública e o PIB. Esse seria o limite para o crescimento dessa relação, que é o principal indicador da solvência do setor público. Trata-se de uma má ideia, inclusive porque sua criação não se justifica.

De fato, o crescimento anual da dívida pública é uma simples decorrência do déficit plúbico autorizado pelo Legislativo ao aprovar o orçamento do exercício. Com efeito, o déficit também significa, em linguagem técnica, “necessidades de financiamento do setor público”. Mesmo assim, essa norma vigora nos Estados Unidos e nos países membros da Zona do Euro. A justificativa pode ser a de que a medida reforçaria o compromisso com a responsabilidade fiscal.

Ocorre que, nos casos em que o teto é rompido, arranja-se uma maneira de contemporizar. Na Zona do Euro, onde a meta é de 60%, a lista dos que não cumprem a regra é grande: Alemanha, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Portugal e Itália. Nos Estados Unidos, o Congresso termina autorizando a elevação da dívida. Sem isso, o governo poderia ficar sem condições de pagar suas obrigações, gerando calote e incertezas. Em processo politicamente complexo, negocia-se o estabelecimento de um novo teto por certo período, o qual será, sem dúvida, ampliado novamente mais à frente. Por tudo isso, tem-se discutido a ideia de revogar a regra do teto.

“Faltaria convencer investidores de que o negócio é crível. Impossível. Melhor seria discutir reformas a sério”

No Brasil, a situação seria pior, em termos políticos e econômicos. A margem para ajustes na União é de apenas 4% dos gastos primários, insuficiente para trazer a relação de volta para a meta. De fato, as despesas obrigatórias, incluindo os pisos constitucionais para a educação e a saúde, atingem 96%. Mesmo sem um teto, esse engessamento, ao lado da necessidade de cumprir metas do arcabouço fiscal, tem provocado grave queda de dotações para atividades relevantes da União.

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Seria impossível, pois, efetuar os cortes necessários se o teto fosse ultrapassado. Normas legais em vigor determinariam a execução de uma série de medidas de contenção de despesas, o que reduziria ou paralisaria atividades fundamentais do governo, incluindo gastos sociais. Sem reformas estruturais para reduzir os gastos obrigatórios e viabilizar ajustes, haveria uma monumental confusão. As correspondentes incertezas poderiam paralisar investimentos e provocar fugas de capital e desvalorização cambial. Em tal situação, haveria aumento de inflação e uma provável elevação da taxa Selic.

O problema surgiria já no primeiro ano da vigência do teto, pois se estima que a relação dívida/PIB alcance 83% em 2026. Assim, o relator promete excluir do cálculo a dívida de estados e municípios. Com tal contabilidade criativa, o teto poderia ser cumprido com folga, mas a regra nasceria torta. Faltaria convencer os investidores e avaliadores de risco de que o limite de 80% seria crível. Impossível. O melhor seria começar a discutir reformas estruturais a sério.

Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2025, edição nº 2965

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