A máscara é a mesma e ainda cobre metade do rosto do barítono que conduz a barca, assim como a soprano, Christine Daaé, permanece indefesa e o órgão de acompanhamento, enfático. A maioria dos elementos que fizeram a reputação do espetáculo O Fantasma da Ópera como símbolo da Broadway está lá, mas a cena nem sequer ocorre dentro de um teatro. Em cartaz há duas semanas, dois anos e meio após a última apresentação do musical que reinou em Nova York por mais de três décadas e não resistiu à queda de público na Broadway após a pandemia, a montagem Masquerade reconfigura a história e as músicas compostas por Andrew Lloyd Webber como experiência imersiva no interior de um prédio abandonado. O palco italiano e as cadeiras são passado: espectadores caminham próximos ao elenco, transitam entre andares e até sobem ao teto para certos números. São também obrigados a vestir máscaras e aconselhados a caprichar nos trajes glamourosos. Em algum lugar entre peça, casa mal-assombrada, instalação artística e festa regada a champanhe, o projeto é novo horizonte não só para a obra, mas para uma indústria tradicional em crise. Enquanto espetáculos inéditos lutam pelo lucro e quase sempre fracassam, resgates inovadores de clássicos estabelecidos despontam como uma das poucas formas de recapturar o interesse do público pelos musicais da Broadway.
A abordagem imersiva já passou por Next to Normal, O Grande Gatsby e Cabaret, mas são os trabalhos de Lloyd Webber que têm rendido mais furor com a tática. “É hora de pensar fora da caixa”, já admitiu o compositor, que enxerga seu trabalho autoral mais recente, Cinderella (2021), como “um erro custoso”. Para evitar prejuízo, Masquerade dispensa orquestra e cobra uma bagatela salgada entre 222 e 322 dólares por ingresso. Prevista até fevereiro de 2026, a temporada tem cinco marcas patrocinadoras e recebe seis grupos de sessenta pessoas por noite — muitas das quais estão esgotadas. Já Cats, ridicularizado desde o fracasso da adaptação cinematográfica de 2019, reconquistou o público em molde similar. A nova montagem carrega o subtítulo The Jellicle Ballroom e é encenada como festa da cena underground — após temporada em circuito alternativo, será transferida para a Broadway em 2026.

O maior trunfo de Webber é sua parceria com o diretor britânico Jamie Lloyd, minimalista que se devota a quebrar a “quarta parede”, separação imaginária entre o público e os atores de um espetáculo. Nas mãos dele, a versão musical de Crepúsculo dos Deuses se tornou um fenômeno, conquistou três Tony Awards em 2025 e transformou a cantora Nicole Scherzinger em atriz respeitada. Em certo momento, o protagonista do musical saía do teatro acompanhado por câmeras e passeava pela Times Square enquanto cantava. A plateia o via por meio de telão, enquanto fãs animados o perseguiam na rua. Em nove meses, a produção foi vista por quase 500 000 pessoas, faturou mais de 60 milhões de dólares e quebrou recordes de audiência. Chegou perto, mas mesmo assim não foi lucrativa: só o custo de manutenção semanal, afinal, passava dos 950 000 dólares.
Do outro lado do oceano, o cenário melhora. O West End, como é chamado o setor teatral de Londres, oferece incentivos fiscais favoráveis e custos de três a cinco vezes menores, segundo cálculo da Variety. Lá, Lloyd Webbwer estreou versão de Evita com Rachel Zegler em junho. No momento mais aguardado, em que Eva Perón canta Don’t Cry for Me Argentina, a atriz se retirava do palco e ía até a sacada do teatro para se dirigir aos transeuntes. Conforme a notícia se espalhou, o espetáculo passou a ser visto pelos mais de 2 000 espectadores pagantes e por centenas de pessoas que se amontoavam na calçada. Nas redes, vídeos bombaram. Zegler virou favorita para prêmios e a transferência do espetáculo para Nova York é muito aguardada, mas o desafio de torná-la rentável na Broadway gera ceticismo. “Será preciso um produtor muito corajoso”, admitiu Webber. Para ter chance de lucro nos Estados Unidos, Evita precisaria ficar em cartaz por mais de dez meses, período que faz o compositor se preocupar com a exaustão da estrela.

No circuito americano, nenhum musical lançado em 2024 obteve êxito, devido aos altos custos e aos preços que espantam a plateia. Boop!, sobre a famosa personagem com pinta de pin-up, chegou a ser indicado ao Tony, mas saiu de cena após quatro meses e perdeu o investimento inicial de mais de 20 milhões de dólares. Continuam seguros apenas fenômenos longevos como Wicked e Hamilton. Mesmo assim, Webber, de 77 anos, não deixa de sonhar. Atualmente, trabalha num espetáculo chamado O Ilusionista, previsto para 2027, mas vai lançá-lo primeiro em Londres antes de se aventurar na Broadway. Para resgatar a magia do passado, é preciso uma dose de imaginação — e outra de pragmatismo.
Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2025, edição nº 2965