A inteligência artificial (IA), como toda inovação tecnológica desenvolvida pela civilização, nasceu banhada em temores e promessas. Passado o período inicial do susto com os recursos dos robôs movidos por algoritmos, sobretudo depois da eclosão da chamada IA generativa, o motor a movimentar aplicativos que já fazem parte do vocabulário do cotidiano, como o ChatGPT, é hora de estarmos mais atentos às boas possibilidades, quase infinitas, mais do que aos perigos — ainda que o zelo deva ser regra irrecorrível, de mãos dadas com o respeito à ética.
Não há área mais preparada para os extraordinários avanços da IA do que a medicina, como mostra a reportagem a partir da página 58, escrita por Victória Ribeiro e Paula Felix — e VEJA se orgulha, desde sempre, de iluminar com bom senso e informações precisas o bonito balé entre a ciência e a humanidade, por vezes amistoso, por vezes bélico. Há, agora, número cada vez maior de pesquisas que comprovam a utilidade da tecnologia para a saúde, e há sobretudo aplicações práticas no cotidiano, especialmente no campo do diagnóstico e da prevenção. Um dispositivo testado no Brasil, por exemplo, alcançou a capacidade de detectar lesões cancerígenas em noventa segundos, atalho fundamental ante demoradas biópsias. A taxa de precisão da IA, ao mesclar dados e traduzi-los, supera os 80% na descoberta precoce de condições clínicas que podem levar à morte, caso da infecção generalizada. E mais: um fascinante modelo de IA, o Delphi-2M, acaba de ser revelado em aplaudido artigo da revista Nature. A ferramenta, que em breve poderá ser aplicada a hospitais, poderá vir a prever mais de 1 000 distúrbios distintos, entre eles a doença de Alzheimer, vários tipos de câncer e problemas cardíacos. Não é a bala de prata e tampouco é a salvação — mas nunca houve instrumento tão bem-sucedido para escrutar o corpo humano quanto os ditos robôs de IA.
Cabe destacar outro benefício, que soa comezinho mas tem a grandeza dos grandes movimentos: numa consulta tradicional, o médico sempre dividiu a atenção entre o paciente e as anotações que precisam ser feitas. Agora, com um assistente eletrônico, é possível ter 100% da atenção dedicada à pessoa que está ali com ele. A IA registra toda a consulta, atalho para enriquecer o histórico de evolução do tratamento. Em seguida, auxilia o médico no diagnóstico e na recomendação de condutas. Não se trata de substituir um ser humano, mas de fazer brotar uma parceria que nos levará para o conforto possível.
Devemos, contudo, estar atentos a um dos nós ainda problemáticos da IA: a possibilidade de ela produzir as chamadas “alucinações”, inventar saídas e respostas em torno de pontos obscuros. Na medicina, um erro pode ser fatal. É, tudo somado, caminhada acelerada, embora ainda dê margem a alguma incerteza. Um estudo com 11 000 americanos feito pelo Pew Research Center mostrou desconfiança dos pacientes com o suporte high-tech: 60% apontaram desconforto com médicos que se amparam na IA. Por outro lado, quando questionados se a IA poderia diminuir erros de profissionais da saúde, 40% concordaram e apenas 27% discordaram. Sim, o futuro é agora.
Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2025, edição nº 2965