Em 7 de outubro de 2023, uma sirene soou três vezes seguidas em Israel, um já conhecido aviso para as pessoas se despencarem para o abrigo mais próximo em busca de proteção. Foi aí que o mundo de Yehuda Cohen, 56 anos, um engenheiro especializado na matemática dos algoritmos, começou a tremer e ele nunca mais experimentou aquela sólida sensação de terra firme, vivendo (ou “sobrevivendo”) um dia após o outro. “Como isso dói”, diz.
Yehuda soube por vídeos que não paravam de chegar no celular do massacre encabeçado pelo Hamas na manhã daquele dia. Assistiu chocado às imagens em que o grupo tocava o horror, abreviando a vida de 1200 pessoas e levando outras 250 como reféns, alguns até hoje na infernal teia de túneis que os terroristas mantêm na Faixa de Gaza. Em um dos filmetes, teve a impressão de avistar o rosto do filho, Nimrod. Estava meio desfocado, não dava para ter certeza. Mas um zoom afastou a dúvida: sim, lá estava o jovem, soldado das forças de segurança israelenses, então com 19 anos, capturado e exibido como troféu.
Após as complexas costuras diplomáticas tecidas no Egito e o acordo anunciado entre o governo de Benjamin Netanyahu e a cúpula do Hamas, na quarta-feira 8, o engenheiro se pôs a fazer cálculos: se tudo der certo, projetando 72 horas depois da assinatura do documento, Nimrod deve estar em casa no fim de semana, no máximo segunda-feira. Ligado em cada passo do que se desenrola dentro dos gabinetes pelo que se deixa vazar, ele aguarda dia, hora e lugar em que reencontrará – e poderá abraçar “depois da mãe” – o filho. Nesta espera cujo tempo parece custar o dobro, o triplo a passar, Yehuda falou a VEJA.
Tem ideia de como está seu filho após dois anos de cativeiro? A última notícia que tive de Nimrod foi há sete meses. Dois reféns que foram libertos estavam com ele e contaram que comiam razoavelmente bem. Pularam muito de um lugar ao outro, até ficar nos túneis. Parece que não está sozinho. Há outros dois ao seu lado. Me preocupa muito o estado em que vou encontrá-lo.
O que imagina? Temo pelas condições físicas e psicológicas depois de tanta violência, solidão e dúvidas existenciais sobre o dia seguinte, lidando com a ideia da morte.
E o senhor, achava que ele voltaria? Sempre pensei: tive três filhos neste mundo e vou ter três filhos para sempre. Confiei o tempo todo que Nimrod voltaria. Ficar cultivando na cabeça a outra opção seria muito pior.
Como foi enfrentar estes tempos sem garantia de nada? Mesmo na pior crise, na dor mais aguda, você precisa seguir comendo normalmente e viver. E eu fiz isso agarrado ao propósito de deixar o assunto nos holofotes, para que nem ele nem os outros fossem esquecidos, e lutar por seu retorno. Parei de trabalhar. Na verdade, meu trabalho virou salvar o meu filho.
Quais sentimentos têm hoje? Tenho essa ferida que machuca e tenho também raiva, muita raiva de Benjamin Netanyahu. Como cidadão, me sinto traído.
Por que exatamente? Os ataques poderiam ter sido evitados se aquela fronteira estivesse mais protegida. A guerra também teria acabado há tempos se Netanyahu não a mantivesse em razão de seu projeto de poder. A volta dos sequestrados já deveria ter acontecido, sem dúvida. O irônico é que agora ele quer todo o crédito pelo acordo. Mas o crédito é de Donald Trump, que fez pressão – de olho também, claro, no Nobel da Paz.
Como vê Israel no cenário pós-guerra? O país se isolou, virou pária e flertou com um caminho estranho, de afronta às instituições. Agora, as coisas precisam se normalizar.
Acredita na paz duradoura? Para mim, só há um modo de alcançá-la, que é a solução dos dois Estados. Falei isso em um encontro recente que tive com o presidente francês Emmanuel Macron na Assembleia da ONU, em Nova York, junto a outros ativistas israelenses, justamente o parabenizando por ter reconhecido o Estado palestino. Sem isso, haverá mais terrorismo. Enquanto falo essas coisas, fico pensando em Nimrod. Tudo o que ele merece é paz.