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Mão no celular, pé no barro

Quem quiser entender o possível impacto que o deputado Guilherme Boulos pode ter quando assumir o ministério responsável pela articulação dos movimentos sociais do governo Lula deve ler Pra Onde Vai a Esquerda? (editora Contracorrente, 140 páginas, R$ 21).

Escrito depois da derrota na eleição para prefeitura de São Paulo em 2024, o livro é um manual de como a esquerda deve confrontar a direita. “A esquerda está em crise”, afirma Boulos. E parte da solução, sugere ele, é olhar o que a extrema direita está fazendo nas redes sociais e copiar o método, invertendo o sinal.

Na avaliação de Boulos, a direita é mais eficiente que a esquerda nas redes sociais por três fatores: tem um discurso unificado, sabe trabalhar o algoritmo das plataformas e criou um ecossistema próprio de comunicação.

“Quando a extrema direita define um tema, todos embarcam. Pode ser um acontecimento, uma teoria da conspiração ou uma fake news, como foi o episódio da taxação do Pix”, exemplifica o deputado. Essa narrativa única, centrada inicialmente na família Bolsonaro e hoje repartida com líderes como Nikolas Ferreiras e Silas Malafaia, permite à direita fazer uma atualização constante das pautas e versões que vão ser defendidas pelos militantes. A marcha unida dá volume a qualquer ideia, da fraude nas urnas em 2022 à tese da ditadura do Judiciário. O único episódio em que a esquerda fez algo semelhante com sucesso foi a campanha do PT pela isenção do Imposto de Renda e taxação dos ricos, em junho.

Entender o algoritmo das plataformas é a maior dificuldade da esquerda, reconhece Boulos. “Pautas positivas dificilmente engajam porque não geram indignação. Vi isso de perto nas campanhas eleitorais. Todos diziam, em tese, que queriam propostas dos candidatos, mas quando fazíamos propostas para a cidade era um deserto de curtidas. Quando atacávamos adversários e mostrávamos situações indignantes, o engajamento explodia. Para disputar a hegemonia digital é uma lógica inescapável”, afirma. Ele reconhece o risco de as próprias plataformas preferirem indignações direitistas às esquerdistas, “mas mesmo com os algoritmos sendo controlados, não fazer isso é perder a disputa digital por WO”.

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O terceiro ponto é criação de um ecossistema cultural de esquerda, como a direita fez com projetos como o Brasil Paralelo. “Uma coisa é pautar o assunto do dia a dia, outra é difundir uma ideologia estruturada. É como operação de guerrilha e Exército permanente. Eles foram eficientes a ponto de convencer o trabalhador que volta de ônibus lotado, assistindo um vídeo do Brasil Paralelo, de que, se ele se esforçar um pouco mais, pode virar um milionário. É guerra cultural pura”, escreve.

Boulos enxerga dois riscos para esta esquerda em crise. O primeiro é o que ele chama de “centrismo, que reconhece a gravidade do risco representado pela extrema direita, mas diante da situação propõe que a esquerda abandone sua identidade. Uma posição como essa tem o efeito prático do abandono da disputa de valores e visões de mundo com a direita. A ausência de um projeto de esquerda na disputa significaria tirar da agenda pública o combate à desigualdade, a tributação dos bilionários, a pauta antirracista, a defesa dos direitos dos trabalhadores, o enfrentamento da especulação imobiliária…”.

O segundo erro possível, de acordo com o deputado, é o sectarismo, em que a esquerda deveria radicalizar suas propostas, sem nenhum tipo de concessão. “É uma tradição de uma esquerda acadêmica, sem enraizamento popular, uma espécie de vanguarda sem retaguarda”, ironiza.

O livro reconhece os erros da esquerda em debates como o empreendedorismo, a segurança pública e as relações com as igrejas evangélicas, mas se preocupa mais com uma tática do que com uma estratégia para a esquerda tratar desses temas. Como militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, ele critica a falta de “pé no barro” da burocracia da esquerda. A intenção declarada de Boulos com o livro é chacoalhar a esquerda. Se virar ministro, pode ser que a sacudida comece pelo governo Lula.

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