É duro reconhecer que um adversário ideológico fez uma coisa boa. Mas beira o ridículo o comportamento de órgãos de imprensa e políticos mais alinhados com a esquerda em relação ao plano de paz para Gaza apresentado por Donald Trump, que já efetivamente conseguiu interromper a guerra, pode levar à iminente libertação dos reféns israelenses e armar as condições para uma solução permanente, com dois estados estáveis e seguros, o sonho dos que acompanham o emaranhado de conflitos entre israelenses e árabes há mais de oitenta anos.
Vejamos dois importantes jornais de esquerda, o espanhol é El País e o britânico The Guardian. Onde estão os editoriais conclamando o Hamas a aceitar a proposta sem precedentes – como já fez em parte, produto de uma elaborada ourivesaria diplomática que envolveu todos os principais países árabes e muçulmanos?
O Guardian achou importante publicar um editorial sobre Darfur e outro sobre a representação da classe operária nas artes em Manchester, mas não a respeito do mais importante assunto, não só do momento, como da década. O El País destacou como o “apoio à Palestina inunda a Europa” – sobre as manifestações contra Israel e sua notável falta de timing: a história já tinha virado outra esquina enquanto a esquerda perdia o bonde e a oportunidade de torcer pela paz, não pela derrota de Israel (com o detalhe sórdido, na Inglaterra, das manifestações contra as vítimas do ataque de um terrorista chamado Jihad contra uma sinagoga – isso mesmo, as vítimas do esfaqueado foram culpabilizadas).
É claro que todos os órgãos de uma imprensa outrora respeitável compraram inteiramente a operação de propaganda que teve Greta Thunberg como principal protagonista. Ela e companheiros nem se deram ao trabalho de simular que estavam efetivamente levando ajuda a Gaza – não havia nada nos barcos da “flotilha”.
‘INFERNO NA TERRA’
O objetivo para o qual os simpatizantes do Hamas receberam um curso de treinamento era exatamente o que aconteceu: ser interceptados por Israel, que não poderia permitir a entrada da esquerda festiva numa zona de guerra, e depois se passar por vítimas, reclamando de tratamentos desumanos como ter que ficar sentados no chão. Ou ser “tratados como macacos”, na exótica descrição do jornalista italiano Saverio Tommasi. Todos os veículos de imprensa que não são de direita compraram integralmente a versão. E nenhum notou a extrema ironia dos atos: a flotilha zarpou quando havia guerra e chegou a Israel quando a paz trumpiana já havia começado a calar as armas.
O único dos jornalões a ter a honestidade de elogiar o plano de Trump – no sétimo parágrafo de um editorial – foi o New York Times. “O plano de paz que o presidente revelou na segunda-feira é promissor”, dizia o editorial. Depois de criticar a fanfarronice de Trump – para compensar o sofrimento psíquico de precisar falar bem de uma coisa que ele fez -, o jornal reconheceu que a proposta “contém as bases de um cessar-fogo justo”.
Tudo, é claro, pode dar formidavelmente errado – como já aconteceu tantas vezes. Mas o plano de Trump surpreendeu pelo alcance e pela adesão de países vitais, como Catar e Turquia, de quem o Hamas depende para sobreviver – daí sua concordância condicional. Também é possível que nenhum outro presidente americano conseguiria de maneira tão categórica fazer Israel suspender os ataques, pois tem a credibilidade do apoio sólido, iniciado no primeiro governo com o reconhecimento de Jerusalém como capital, e confirmado pelas inúmeras declarações de que Israel teria carta branca para desencadear “o inferno na Terra” se o Hamas não aceitasse o acordo. E vai enfrentar “a completa obliteração” se não aceitar deixar o poder.
É linguagem de estadista? Obviamente, não. Mas é o tipo de coisa que os interlocutores terroristas entendem. Na resposta, onde diplomatas escolados viram o dedo do Catar, disseram respeitosamente: “O Movimento Islâmico de Resistência, Hamas, valoriza os esforços árabes, islâmicos e internacionais, bem como os esforços do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, conclamando pelo fim da guerra na Faixa de Gaza”.
ESPERANÇA NA HUMANIDADE
Imaginem só como o impossível pode acontecer: o Hamas agradecendo a Trump. O fato de que isso não seja manchete em todos os jornais, acompanhados de editoriais exaltando a extraordinária mudança de padrão, mostra como o trabalho jornalístico pode ser contaminado pelas antipatias políticas.
Para os envolvidos na realidade hedionda de uma guerra, a perspectiva é diferente das redações e dos gabinetes dos políticos que se mantiveram em profundo silêncio sobre o plano de paz. “Este cessar-fogo é um sonho pelo qual tenho ansiado há dois anos”, disse à AFP o desabrigado Mahmud Abu Shamala. “O melhor de tudo é que Trump anunciou pessoalmente o cessar-fogo. Só ele pode fazer Israel cumprir”, concordou outro habitante de Gaza, Sami Adas, vivendo, como uma boa parte da população, numa barraca.
Numerosos familiares de reféns israelenses também concordaram, do outro lado, que só Trump tem cacife para bancar o acordo que trará seus parentes de volta.
Não deveriam os manifestantes em tantas capitais mundiais estar clamando pela realização do acordo que árabes e judeus apoiam? Triste ilusão: o objetivo de todas as essas manifestações é condenar Israel e os Estados Unidos. Não importa o que esteja acontecendo no mundo da realidade. Quando nesse mundo Trump faz uma coisa boa, vale qualquer malabarismo para não aceitar isso.
Amanhã se completam dois anos desde o massacre de 7 de Outubro, um dia indizivelmente trágico em que bebês foram picados vivos e mulheres tiveram os seios decepados enquanto eram estupradas para morrer da pior forma imaginável. Que hoje haja a expectativa de um grande acordo de paz é uma conquista que renova a esperança na humanidade. Com as devidas cautelas, claro.