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Escândalo dos respiradores: “Você nunca ganhou dinheiro tão fácil. Está feliz?”

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) encaminhou no último dia 16 de setembro ao Ministério Público Federal um calhamaço de informações que retratam um dos principais crimes cometidos durante a pandemia de Covid-19: o pagamento – seguido de calote – de mais de 48 milhões de reais para a compra de 300 respiradores para o Consórcio Nordeste. O escândalo dos respiradores ocorreu em abril de 2020, quando o grupo de governadores de estados nordestinos era presidido pelo ministro da Casa Civil Rui Costa. Com o envio, cabe à equipe do procurador-geral Paulo Gonet decidir que rumos dar ao caso, podendo pedir o arquivamento ou a realização de novas diligências, por exemplo.

Ao longo de mais de cinco anos da investigação que atormenta o auxiliar do presidente Lula, foram reunidas pelo menos 6.100 páginas de um inquérito confidencial que apura as responsabilidades de Costa, outras dez petições sigilosas com documentos apreendidos entre os investigados e dois acordos de delação premiada que contam em detalhes como o Consórcio Nordeste pagou do dia para a noite milhões de reais a uma empresa especializada em produtos à base de cannabis para importar os equipamentos, nunca recebeu os aparelhos e até hoje não conseguiu recuperar a maior parte do dinheiro.

VEJA teve acesso ao principal documento do acordo de colaboração premiada que constrange Rui Costa. Nele a empresária Cristiana Prestes Taddeo, dona da empresa de medicamentos Hempcare Pharma, que se apresentou para comprar os respiradores, conta como embolsou milhões de reais na transação e relata o descaso com que foram feitas compras milionárias durante a pandemia.

O marido dela na época do crime, Luiz Henrique Jovino, também fechou um acordo e colaborou com a justiça. Nos depoimentos que prestou na delação, Taddeo diz, entre outras coisas, que era informada cotidianamente que todas as ordens de compra necessariamente passavam pelo crivo de Rui Costa, explica a atuação de dois lobistas que alardeavam ter contato direto com a então primeira-dama Aline Peixoto, atual conselheira do Tribunal de Contas estadual, e com o “Doutor”, forma como era registrado o contato de Costa no telefone de um deles, e relata que ouviu do principal auxiliar do petista o que indicava ser uma profecia. “Você nunca ganhou dinheiro tão fácil. Está feliz?”, questionou Bruno Dauster, secretário da Casa Civil da Bahia na época do golpe e principal interlocutor de Cristiana na aquisição dos respiradores.

Tudo na transação transparecia a forma amadora como as aquisições eram feitas: as negociações ocorriam por WhatsApp, não havia checagem prévia da confiabilidade das importadoras que se dispunham a comprar os equipamentos, lobistas exigiam taxas de comissão pela suposta influência junto ao governador e os pagamentos ocorriam antecipadamente e sem qualquer garantia de que os produtos um dia seriam entregues.

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Como se sabe, os respiradores de fato nunca chegaram ao Brasil e, mais de cinco anos depois, grande parte do dinheiro público pago pelo Consórcio Nordeste simplesmente evaporou. “Ou fazia o pagamento antecipado ou a gente não ia conseguir respirador nenhum. E estavam morrendo pessoas”, justificou Rui Costa em depoimento à polícia.

A Hempcare nunca havia feito uma compra de monta, não conhecia nada de importação de insumos hospitalares e, mesmo assim, foi a escolhida pelo governo da Bahia, na época presidente do Consórcio Nordeste, para viabilizar a entrega dos ventiladores aos nove estados nordestinos. “Em quase todas as comunicações mantidas com Bruno Dauster ele mencionou que dependia de autorização de Rui Costa dos Santos (governador do Estado da Bahia) para tomar as decisões”, disse a delatora em um dos depoimentos da colaboração. Se aquele contrato desse certo, continuou ela, o grupo projetava que seria possível abocanhar perto de 200 milhões de reais em lucro com compras futuras.

Desde que foi enredado na investigação sobre o sumiço dos 48 milhões de reais pagos por respiradores que nunca desembarcaram ao Brasil, Rui Costa repete um mantra: foi o Consórcio Nordeste que, detectada a fraude, acionou a polícia para as devidas apurações. Em depoimento ao longo das investigações, o ministro disse que não se atentara para o fato de a Hempcare trabalhar com maconha como matéria-prima simplesmente porque não tem “pleno domínio da língua inglesa”. Na sequência, se eximiu de responsabilidades sobre qualquer ilícito de funcionários de sua antiga administração: “se eu for fazer, em cada processo, a checagem do trabalho de cada membro do governo, não faço mais nada a não ser isso”.

Em nota, a defesa do ministro da Casa Civil diz que “a Procuradoria Geral da República mostra-se em acordo com a tese apresentada pela defesa de Rui Costa, na medida em que concorda com a manutenção do processo no Superior Tribunal de Justiça. Essa continuidade do foro decorre de decisões e de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, consolidadas anteriormente a esse caso concreto, e colabora com a maior celeridade possível para o andamento do processo, como é desejo manifestado publicamente por Rui Costa desde o início”. “Cabe destacar que a peça da PGR não agrega nenhum elemento acusatório quanto à conduta do então governador da Bahia e que o próprio Ministério Público já tinha manifestado, em parecer emitido no decorrer do processo, que não existe nenhum fato que vincule Rui Costa a qualquer irregularidade na compra dos respiradores”, completa.

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