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Crise do metanol: o risco de comprar vinhos baratos daquele “contatinho”

Em meio à atual crise gerada pelos casos de adulteração de bebidas, muitas pessoas se perguntam se os vinhos estão salvos desse perigo. A resposta vem em forma de uma dose de alívio. Segundo Fernanda Spinelli, presidente da sub-comissão de métodos de análises da Organização Internacional da Uva e do Vinho (OIV), o metanol que é produzido de maneira natural durante a fermentação em pequenas quantidades é controlado pelas autoridades sanitárias e é metabolizado pelo corpo humano, ou seja, não é tóxico. Outro fato tranquilizador: o que está causando as intoxicações e mortes por ingestão de destilados batizados com a substância não é natural, é um álcool mais barato. Em décadas passadas já houve, sim, esse tipo de adulteração em vinho, mas hoje ela não é comum. “No vinho, a adulteração mais comum é feita com água, açúcar, corantes e aromatizantes. Claro, nada disso é realizado em laboratórios esterilizados. Certamente não são substâncias letais, mas podem causar danos à saúde por poder gerar outros microrganismos”, explica Fernanda.

Pode parecer crueldade diante dos números de vítimas que não param de crescer, mas a crise atual não pegou totalmente de surpresa quem trabalha no setor de bebidas, devido à combinação entre a falta de fiscalização e a fatia de clientes que acha bom negócio pagar menos comprando no mercado negro, ignorando os muitos riscos à saúde envolvidos nesse tipo de negócio.  De acordo com a presidente da Câmara Setorial de Viticultura, Vinhos e Derivados do estado de São Paulo, Célia Carbonari, esse comércio de bebidas adulteradas, falsificadas e contrabandeadas é um problema muito maior do que se está mensurando. “A estimativa de que 36% dos produtos à venda venham de comércio ilegal, divulgados pela Associação Brasileira de Combate a Falsificação (ABCF), seja por falsificação ou contrabando, é estimado com base nas apreensões, mas imagine o que já passou sem ser contabilizado?”, questiona. Segundo Célia, que também é proprietária da Vinícola Villa Santa Maria, em São Bento do Sapucaí (SP), o último estudo fiel sobre o assunto, feito com metodologia de pesquisa pela Euromonitor, foi realizado em 2015 — portanto está completamente defasado.

Outro número assustador, divulgado pela Associação Brasileira de Bebidas e Destilados (ABBD), criada por multinacionais do setor: uma a cada cinco garrafas de vodca ou uísque vendidas seriam falsificadas e um terço delas estariam à venda em plataformas de e-commerce. Tais práticas não são exclusivas do mercado nacional. Na China, um comerciante que vendia no Tmall, um site operado pelo Alibaba, foi pego em 2019 vendendo garrafas falsificadas de Dom Pérignon Luminos Millesime Brut 2002, segundo relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE. A fraude foi descoberta porque a Moët Hennessy, grupo proprietário da vinícola de champanhe, comprou duas caixas e mandou analisar.

No entanto, os “vinhos do contatinho”, aqueles que chegam sem registro do Ministério da Agricultura, o Mapa, que faz análises laboratoriais em todos os produtos que entram no país, podem não ser letais, mas não têm sua qualidade garantida. Na maioria das vezes, ele são transportados de maneira incorreta e armazenados em galpões que guardam de pesticidas a sacos de cebola. Na melhor das hipóteses, o resultado é um vinho que chamamos de “cozido”. Sem aromas, sem sabores característicos, já oxidados. Eles servem apenas para os enoalpinistas sociais fazerem seu exibicionismo cafona de rótulos famosos. Além de não entenderem nada do assunto, esses espertalhões acham que estão realizando uma boa economia ao recorrer ao mercado negro. Pagam menos e assumem mais riscos à saúde.  “As pessoas precisam entender que o vinho do ‘contatinho’ e as adulterações feitas dentro de estabelecimentos comerciais são faces da mesma moeda”, afirma Célia. Ela lembra que o brasileiro habituou-se a olhar a data de validade quando compra produtos como iogurtes, carnes e vacinas, mas não dá importância à procedência da bebida que toma. Que sentido faz alimentar-se de orgânicos comprados nos institutos da cidade, que valorizam pequenos produtores, e economizar com o vinho sem procedência oferecido a preço de banana?

A alta carga tributária imposta às bebidas foi um dos combustíveis para a proliferação do mercado negro. Quanto mais o governo aumenta a taxa em sua fome insaciável de arrecadação, mais a pirataria aumenta. De acordo com a ABCF, o setor mais prejudicado com as falsificações é o de bebidas, numa perda estimada em R$ 86 bilhões por ano. Em segundo lugar está a área de vestuário (51bilhões de reais) e, a seguir, o mercado de combustíveis (29 bilhões). Alguns especialistas acreditam que houve uma piora considerável na situação a partir de 2016, quando foi desativado o Sistema de Controle de Produção de Bebidas, o Sicobe. Implementado pela Receita Federal e pela Casa da Moeda em 2008, o sistema rastreava em tempo real a produção de bebidas, reduzindo a sonegação e contrabando. Além disso, ele gerou um aumento de 40% na arrecadação do setor no primeiro ano de operação. Era caro manter em operação o Sicobe. Como se vê, o barato tem saído mais caro.

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Para quem está preocupado com saúde ou em fazer bonito na mesa, não há outro caminho: sempre comprar vinhos de procedência comprovada, importados corretamente ou produzidos no Brasil. Os rótulos nacionais estão em alta nas avaliações de especialistas. Na parte de cidadania, é preciso levantar a voz e batalhar por reformas tributárias mais justas e eficientes.

Somente a melhora expressiva da fiscalização e o fim da cultura de pagar barato a qualquer custo, alimentando uma indústria criminosa, podem evitar novas crises como a do metanol.

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