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As novas apostas da ciência brasileira contra a doença de Alzheimer

Você provavelmente conhece ou conheceu alguém que convive com a doença de Alzheimer. Uma condição que se infiltra devagar, apagando lembranças recentes, confundindo nomes, até comprometer a autonomia. Viver com Alzheimer é como estar em uma grande biblioteca onde as luzes começam a falhar: primeiro fica difícil encontrar os livros mais novos. Depois, os corredores vão escurecendo até que o leitor se esquece de que um dia havia ali histórias.

Estima-se que mais de um milhão de brasileiros já convivam com a doença e esse número deve dobrar até 2050 com o envelhecimento da população. Hoje, o número de idosos cresce muito mais que o de crianças. Isso significa que doenças ligadas ao envelhecimento, como o Alzheimer, vão se tornar mais frequentes. Falar em prevenção, diagnóstico precoce e novas formas de tratamento deve deixar de ser um tema restrito a especialistas: é um problema de saúde pública e que merece a atenção de todos.

Em meio a esse desafio, boas notícias vêm da ciência. Pesquisas com participação de grupos nacionais têm avançado na busca por biomarcadores capazes de identificar o Alzheimer em exames de sangue, além do uso de neuroimagem e inteligência artificial para diagnóstico precoce. Também testam novas moléculas e estratégias terapêuticas, colocando o Brasil a par com as pesquisas mais modernas do mundo. Não existe cura, mas, pela primeira vez, acumulam-se evidências de que é possível frear, mesmo que discretamente, a marcha implacável da doença.

Entre as novidades, os estudos mais avançados confirmaram a eficácia de anticorpos monoclonais capazes de reduzir o acúmulo de proteínas beta-amiloide no cérebro – envolvidas na morte de neurônios – atrasando a progressão do Alzheimer em pacientes nas fases iniciais. Esses resultados recolocam a beta-amiloide, considerada um componente importante na doença de Alzheimer, no foco das atenções.

Mas a doença não se explica apenas pelo acúmulo dessa proteína: outros mecanismos estão em jogo, como o emaranhado da proteína tau nas células cerebrais, a inflamação crônica no cérebro e a diminuição de fatores protetores, como os liberados pelos músculos durante o exercício, muitas vezes pela dificuldade de pacientes idosos em se exercitar. Pesquisas brasileiras, por exemplo, mostraram que a irisina, hormônio liberado com a atividade física, pode proteger conexões entre neurônios e reduzir a inflamação cerebral.

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Outro mecanismo em foco é a resistência à insulina. Mais evidências têm ligado distúrbios metabólicos, como o diabetes, ao risco de desenvolver Alzheimer. Entender essa conexão reforça que a chave para a prevenção não está apenas nos laboratórios, mas também em hábitos de vida. O futuro do tratamento talvez não esteja em uma única bala de prata, mas em uma combinação de estratégias que atuem sobre diferentes alvos.

Entra nessa combinação a urgência por ciência inovadora, capaz de explorar caminhos ainda pouco convencionais na luta contra a doença. Neste sentido, talvez um dos exemplos mais ousados seja o da edição gênica. O CRISPR, basicamente uma “tesoura” de DNA muito precisa, começa a ser testado como estratégia terapêutica: desde a correção de mutações associadas a formas hereditárias da doença de Alzheimer até a diminuição da expressão de genes ligados à produção de proteínas tóxicas ou aumento naqueles que são neuroprotetores.

O Brasil participa dessa fronteira. Estudos financiados por iniciativas como o Idor Ciência Pioneira focam no desenvolvimento de terapias gênicas capazes de aumentar a produção de proteínas que protegem o cérebro e, ao mesmo tempo, diminuir aquelas que são danosas – um equilíbrio que muitas vezes é perdido à medida que envelhecemos. Esses estudos podem resultar em terapias que diminuam a progressão do Alzheimer ou que retardem seu aparecimento. Embora complexas e custosas, as terapias gênicas estão em constante melhoramento, e a presença do Brasil nesse campo é fundamental para absorção da tecnologia no país.

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Apesar dos grandes esforços, é provável que a doença de Alzheimer continue a nos desafiar por muitos anos. Mas cada descoberta, desde a pesquisa de base aos estudos clínicos, abre uma fresta de luz, mostrando que ainda há caminhos a percorrer. Enquanto isso, cabe a nós oferecer cuidado, dignidade e presença. A ciência pode adiar os impactos, mas só o afeto e o cuidado podem dar sentido a esta caminhada.

*Bruno Solano é médico pesquisador do Idor/BA e Fiocruz/BA, além do IDOR Ciência Pioneira, e Thyago Leal Calvo é biologista molecular e pesquisador do Idor Ciência Pioneira em SP

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