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Brasil vive paradoxo no sistema elétrico — mas há caminhos para resolvê-lo

O sistema elétrico brasileiro vive um paradoxo. Do ponto de vista ambiental, ostenta uma das matrizes mais limpas do mundo, com quase 90% da energia gerada a partir de fontes renováveis. Mas, ao mesmo tempo, ainda tropeça em um desafio básico: a confiabilidade. Há pouco mais de dois anos, em 15 de agosto de 2023, um blecaute deixou sem luz um terço dos consumidores do país, espalhados por 25 estados e o Distrito Federal — um retrato inequívoco do desarranjo estrutural do setor. Entre as causas apontadas por especialistas estão a infraestrutura defasada, subsídios mal calibrados, falhas de planejamento e o avanço desenfreado da geração distribuída, como os painéis solares instalados nos telhados residenciais. “Precisamos enfrentar esses pontos, caso contrário teremos uma crise operacional que pode tornar o setor inoperante”, disse Karin Regina Luchesi, presidente da Elera Renováveis, durante o VEJA Fórum Energia, realizado na segunda-feira 29, com a presença de empresários, executivos e analistas do setor.

A estabilidade de um sistema elétrico depende de sua capacidade de gerar energia de maneira constante e administrável. O avanço das novas energias renováveis, especialmente solar e eólica — que já respondem por um quarto da eletricidade do país —, consolida o Brasil na vanguarda climática, mas também impõe novos desafios. Sol e vento, afinal, não são controláveis. Se a matriz elétrica fosse inteiramente baseada em painéis solares, cada noite seria um apagão. “Temos uma demanda de como gerir nossa abundância natural”, afirmou Fabio Kono, assessor de infraestrutura e transição energética do BNDES. “O sistema não está preparado para integrar essas fontes renováveis”, acrescentou Mauricio Tolmasquim, especialista em energia.

No setor elétrico, o consenso é que um país não pode depender exclusivamente de fontes intermitentes. Nesse contexto, as hidrelétricas — muitas vezes vistas de forma equivocada como obsoletas — e até mesmo as termelétricas ainda têm papel estratégico. O Brasil, que fez das grandes hidrelétricas o motor de seu crescimento entre as décadas de 1960 e 2000, viu os investimentos nesse modelo minguarem após Belo Monte, inaugurada em 2016. “Nós amaldiçoamos as hidrelétricas, mas é o ciclo das águas, é fonte limpa”, afirmou Max Xavier Lins, presidente da Delta Energia. Ao lado das fontes tradicionais, começam a surgir soluções mais modernas. As baterias aparecem como alternativa promissora, com a capacidade de armazenar a energia gerada por sol e vento para uso em momentos de escassez. “Talvez essa seja a melhor solução para o nosso problema de geração”, reforçou Luchesi.

DEBATE - À esq., Kono (BNDES), Lessa (Basa) e Câmara (BNB); à dir., Passanezi (Cemig): mais investimentos
DEBATE - À esq., Kono (BNDES), Lessa (Basa) e Câmara (BNB); à dir., Passanezi (Cemig): mais investimentosFotos Flavio Santana/.

O Brasil acumula uma série de subsídios bem-intencionados às tecnologias verdes, mas a ausência de um planejamento estratégico fez com que a expansão da geração se tornasse desordenada. Durante o dia, quando as usinas solares operam em plena capacidade, o Operador Nacional do Sistema (ONS) é obrigado a reduzir parte da produção para equilibrar oferta e demanda. Esse processo, chamado cur­tail­ment, é agravado pela geração distribuída, já que o ONS não tem controle direto sobre a energia produzida nos telhados de consumidores comuns. Para o presidente do Banco do Nordeste (BNB), Paulo Câmara, que atua na região mais fértil em novas fontes renováveis, o desafio vai muito além de gerar energia. “Não adianta continuar avançando na produção se a rede de distribuição não acompanhar no mesmo ritmo”, alertou.

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A precariedade da infraestrutura é um problema histórico do setor elétrico brasileiro e voltou ao centro dos debates no VEJA Fórum Energia. “Boa parte da Região Norte ainda não está conectada ao sistema nacional de energia”, lembrou Luiz Cláudio Lessa, presidente do Banco da Amazônia (Basa). Mesmo no Sudeste, onde está o coração industrial do país, as deficiências persistem. “Não tem jeito, precisamos digitalizar, automatizar a rede e substituir estruturas defasadas”, disse Reynaldo Passanezi Filho, presidente da Cemig. A companhia mineira deve investir quase 60 bilhões de reais entre 2019 e 2029, o maior volume de sua história. O Brasil dispõe de condições naturais únicas em recursos energéticos e largou na frente na transição das fontes, despertando a admiração — e, por vezes, a inveja — de grandes potências. O desafio agora é transformar essa vantagem competitiva em oportunidades reais para o país.

Publicado em VEJA de 3 de outubro de 2025, edição nº 2964

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