O prefeito de Hiroshima, Kazumi Matsui, criticou nesta quarta-feira, 6, que os conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio têm contribuído para uma crescente aceitação de armas nucleares como forma de defesa. A declaração aconteceu durante uma cerimônia que marca o 80º aniversário do bombardeio atômico da cidade, localizada no sul do Japão.
“Esses acontecimentos desconsideram as lições que a comunidade internacional deveria ter aprendido com as tragédias da história”, disse Matsui durante seu discurso em frente a Cúpula Genbaku, um edifício que sobreviveu ao impacto da explosão e hoje faz parte do Parque Memorial da Paz de Hiroshima.
Falando diretamente aos jovens, o mandatário pediu que a nova geração reconheça as consequências “desumanas” que a normalização do uso de armas nucleares como forma de dissuasão pode trazer no futuro. “Elas ameaçam derrubar as estruturas de construção da paz que tantos trabalharam para construir”, afirmou.
Apesar da tensão geopolítica global decorrente dos conflitos, Matsui fez um apelo à persistência na busca pela paz. “Nunca devemos desistir. Em vez disso, devemos trabalhar ainda mais para construir um consenso da sociedade civil de que as armas nucleares devem ser abolidas para um mundo genuinamente pacífico”, declarou.
Os ataques nucleares ao território japonês aconteceram em 1945, no último ano da Segunda Guerra Mundial. No dia 6 de agosto, um bombardeiro B-29 dos Estados Unidos, o Enola Gay, lançou uma bomba de urânio de 15 quilotons em Hiroshima. Até o final daquele ano, 140 mil pessoas morreriam em decorrência do impacto nuclear. Depois foi a vez de Nagasaki, onde uma bomba de plutônio levou a 74 mil vítimas. Até hoje, Washington afirma que a ofensiva nuclear foi determinante para a rendição do Japão.
Sobreviventes da tragédia, moradores e representantes de 120 países se reuniram no Parque Memorial nesta manhã para refletir sobre a tragédia atômica. A cerimônia é vista por muitos como a última oportunidade de muitos sobreviventes dos eventos relatarem suas experiências com o horror nuclear.
“Meu avô morreu logo após o bombardeio, enquanto meu pai e minha mãe morreram depois de desenvolver câncer”, disse Yoshi Yokoyama, uma cadeirante de 96 anos que sobreviveu ao ataque.
Nesta manhã, informações de mais de 4 mil sobreviventes que faleceram em 2024 foram adicionadas ao registro do Cenotáfio Memorial das Vítimas. No total, o número de mortes atribuídas ao bombardeio é de quase 350 mil.
Em comunicado, a rede de sobreviventes dos bombardeios Nihon Hidankyo declarou que o mundo enfrenta “uma ameaça nuclear maior do que nunca” nesse momento, e que a humanidade vive uma corrida contra o tempo para desafiar os estados nucleares — com destaque para Estados Unidos e Rússia, que possuem 90% de todas as ogivas do mundo.
Já o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, afirmou em nota que “as próprias armas que trouxeram tanta devastação a Hiroshima e Nagasaki estão mais uma vez sendo tratadas como ferramentas de coerção”.
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Tensão
Um relatório publicado em junho pelo Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI) concluiu que, em meio a uma instabilidade global, a probabilidade de que armas nucleares possam um dia ser usadas está aumentando. Quase todos os nove países com armas nucleares — Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão, República Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte) e Israel — continuaram programas intensivos de modernização nuclear em 2024, atualizando armas existentes e adicionando versões mais novas.
“A era de redução do número de armas nucleares no mundo, que perdurou desde o fim da Guerra Fria, está chegando ao fim”, disse Hans Kristensen, pesquisador sênior do SIPRI. “Em vez disso, vemos uma tendência clara de aumento dos arsenais nucleares, aguçamento da retórica nuclear e o abandono dos acordos de controle de armas”.
Recentemente, o ex-presidente russo Dmitry Medvedev insinuou que Moscou poderia usar o “Mão Morta”, um implacável sistema soviético de retaliação nuclear, contra os Estados Unidos. A sugestão ocorreu após Medvedev, que ocupa o posto de vice-presidente do Conselho de Segurança russo, definir as ameaças de Trump de aplicar tarifas à Rússia e a países que comprarem petróleo do país como “um jogo de ultimatos” que pode levar a uma guerra.
A discussão escalou na última sexta-feira, quando o presidente americano Donald Trump afirmou ter ordenado o posicionamento de dois submarinos nucleares em regiões próximas à Rússia como resposta à Medvedev.
“Com base nas declarações altamente provocativas do ex-presidente russo, Dmitry Medvedev, que agora é vice-presidente do Conselho de Segurança da Federação Russa, ordenei o posicionamento de dois submarinos nucleares em regiões apropriadas, caso essas declarações tolas e inflamatórias sejam mais do que apenas isso”, escreveu Trump em sua rede social, a Truth Social.