A escalada tarifária do presidente americano Donald Trump já dura sete meses. Começou em 1º de fevereiro, poucas semanas depois da posse para o seu segundo mandato. Primeiro, ele anunciou tarifas setoriais (para a importação de aço, alumínio e automóveis, por exemplo) e taxas específicas para Canadá e México e também para a China — nos dois primeiros casos adiadas por 30 dias e, no terceiro, aumentadas em março. Em abril veio o tarifaço propriamente dito, com sobretaxas que iam de 10% (como a que coube inicialmente ao Brasil) a 125% (para a China), dependendo do país exportador.
Nas semanas seguintes, alguns países conseguiram negociar reduções nas tarifas. Outros foram penalizados com barreiras ainda maiores. No início de agosto, entrou em vigor a cobrança de 50% sobre cerca de um terço da pauta de exportação do Brasil para os Estados Unidos.
Muitas análises e previsões foram feitas sobre os efeitos que o inédito protecionismo americano teria sobre o comércio global e, mais especificamente, sobre a própria economia americana. Os primeiros resultados negativos concretos já estão aparecendo. Leia, abaixo, cinco deles:
1º – As empresas americanas estão perdendo dinheiro
Para cerca de 240.000 pequenas empresas americanas que dependem de importação, o custo das tarifas foi de 90.000 dólares, em média, entre abril e julho. Até o fim do ano, o impacto médio para esses pequenos negócios pode ser de até 856.000 dólares, segundo a Câmara de Comércio dos Estados Unidos. As pequenas empresas já registraram um redução média de 13% em seus faturamentos em junho, em relação ao mês anterior.
Nenhum empresário se sente seguro para gastar dinheiro para ampliar seu negócio em um contexto de incerteza como esse. E, de fato, os investimentos privados diretos caíram 13,8% no segundo trimestre deste ano nos Estados Unidos. O mercado de trabalho no país ainda está forte, mas desacelerou. Uma pesquisa com empresários mostrou que a maioria não pretende fazer novas contratações. Os meses de maio, junho e julho registraram os menores números de criação de novas vagas desde outubro do ano passado.
2º O déficit comercial dos Estados Unidos cresceu
A grande desculpa de Trump para o tarifaço é o fato da balança comercial com o resto do mundo ser negativa para os Estados Unidos — ou seja, o país importa mais em bens do que exporta. Mesmo para países com os quais os americanos têm superávit comercial, como o Brasil, Trump usa a necessidade de reduzir o déficit como o argumento para impor tarifas.
Mas o efeito tem sido o contrário do esperado, pelo menos por enquanto. O déficit comercial dos Estados Unidos cresceu 22,1% em julho, segundo prévia divulgada pelo Departamento de Comércio. Isso aconteceu mais pelo aumento nas importações (que foi de 7,1%) do que pela queda nas exportações (de 0,1%). Ou seja, mesmo com o tarifaço no início de abril, as empresas americanas correram para garantir embarques nos meses seguintes com o objetivo de aumentar seus estoques, aproveitando suspensões temporárias na implantação das tarifas para alguns países.
E os importadores fizeram isso de forma a tentar, sempre que possível, contornar as compras dos parceiros mais impactados pelas tarifas. Em vez de fechar negócio com a China (que está submetida a uma tarifa efetiva média de 44%), por exemplo, as empresas americanas preferiram fazer as compras via México ou outros países da Ásia que foram menos taxados. Como resultado, a importação de produtos chineses pelos Estados Unidos caiu 48% em junho, em comparação com o mesmo mês de 2024.
A conclusão mais surpreendente desses dados é que, pelo menos por enquanto, não há nenhum sinal de que as empresas americanas estão internalizando a produção de itens que costumam importar. Elas estão preferindo pagar mais caro ou procurar outros fornecedores no exterior do que apostar na produção nacional — ao contrário do que pretendia Trump.
3º O custo de vida para os americanos aumentou
Os economistas bem que avisaram: as tarifas de importação mais elevadas vão pesar no bolso dos americanos — aqueles que deveriam vir em primeiro lugar em qualquer política pública, segundo Trump. E isso já começou a acontecer.
O último dado oficial mostra que a inflação está acelerando gradualmente. O indicador geral ainda não é alarmante, mas alguns itens se sobressaem. Por exemplo, está mais caro para as famílias americanas pagarem por duas das predileções nacionais: carro e hambúrguer.
O preço médio dos automóveis fabricados nos Estados Unidos, bastante dependentes de peças importadas, avança e deve fechar o ano com uma alta de 14% (muito acima da inflação). Soma-se a isso o fato de que o custo do financiamento automotivo também ficou mais elevado, com o juro anual passando de 6,6% para 7% de julho para agosto, o que representa um acréscimo médio de 400 dólares por veículo.
A carne moída bovina, por sua vez, estava 12,8% mais cara em julho do que em janeiro deste ano. A alta se explica por questões internas (rebanho americano em baixa e demanda alta) e pela tarifa adicional básica de 10% imposta por Trump em abril a alguns dos principais exportadores de carne, como Brasil, Austrália, Argentina e Nova Zelândia. O dado não captou, ainda, o efeito do tarifaço de 50% aplicado pelo governo americano sobre produtos brasileiros, incluindo carne, a partir de agosto. Ou seja, o preço do hambúrguer vai ficar ainda mais indigesto para os americanos.
E mais: o Natal das crianças vai ser menos farto de presentes este ano nos Estados Unidos. O preço dos brinquedos aumentou 3,7% em apenas quatro meses, resultado principalmente das tarifas impostas às importações chinesas a partir de março.
4º – As tarifas enchem os bolsos — furados — do governo americano
Trump diz que o protecionismo tarifário é bom para muita coisa, inclusive para aumentar a arrecadação do governo e compensar outras políticas, como a redução de impostos. Os números não confirmam sua tese.
Entre abril e junho deste ano, as tarifas de fato renderam 65 bilhões de dólares extras para os cofres do governo. Nesse ritmo, a arrecadação adicional no ano vai ser de 189 bilhões de dólares. Por outro lado, o plano de redução de impostos e ajustes nos gastos de Trump vai custar 590 bilhões de dólares por ano às contas públicas. Ou seja, a arrecadação com o tarifaço nem de longe cobre o plano fiscal do presidente americano. Os Estados Unidos estão se endividando cada vez mais — e não menos, como prometia Trump.
5º – Dólar está perdendo força
O valor do dólar em comparação com uma cesta de moedas estrangeiras caiu quase 10% desde o início do ano até esta quarta-feira, 3. A queda teria sido ainda maior se os países tivessem retaliado com mais empenho às tarifas impostas por Trump. Muitos preferiram cavar uma oportunidade para negociar ou contornar o dano comercial de outra forma. Em 2018, quando Trump fez a sua primeira (e menos agressiva) guerra tarifária, também houve uma forte depreciação do dólar.
Desta vez, o fenômeno veio acompanhado de uma forte volatilidade e de uma fuga dos títulos do Tesouro americano, refletindo-se em um aumento abrupto nos rendimentos nos papéis de longo prazo, logo após o tarifaço de abril. (No primeiro mandato de Trump, essa tendência havia sido observada apenas nos títulos de curto prazo.) A volatilidade continuou em agosto, com os rendimentos dos papéis de 30 anos fechando o mês perto do patamar mais alto do ano. Esses movimentos são interpretados como uma redução na confiança na economia e na situação fiscal dos Estados Unidos.
Os primeiros danos causados pela tragédia tarifária de Trump já estão aparecendo — alguns amplamente anunciados, outros surpreendendo para pior.