Às 18h15 da segunda-feira, dia 4, o STF publicou a decisão do ministro Alexandre de Moraes determinando a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro. No mesmo horário, agentes da Polícia Federal chegaram à casa do ex-presidente em um condomínio no Jardim Botânico, em Brasília. Eles comunicaram Bolsonaro da decisão e apreenderam seu aparelho celular. No despacho de 25 páginas, Alexandre de Moraes usou como pretexto para a decretação da prisão o uso de imagens de uma videochamada de Bolsonaro ao seu filho Flávio durante mais uma fracassada manifestação pró-anistia do domingo, em Copacabana. Embora esperada em função da confusa decisão anterior de Moraes, a prisão empurrou o bolsonarismo para o modo ‘tudo ou nada’.
Com o voto de Moraes pela condenação de Bolsonaro, previsto para ocorrer ainda em agosto e o fim do julgamento para meados de setembro, o bolsonarismo irá acelerar as ações para tumultuar o sistema político e transformar a libertação do ex-presidente na única opção para retomar a normalidade
Nas próximas semanas, a Casa Branca deve ampliar as punições aos ministros do STF, os deputados bolsonaristas tentarão obrigar a Câmara a votar a anistia, os governadores de oposição vão empurrar os efeitos econômicos do tarifaço para o colo do governo Lula e haverá uma preparação logística para que as manifestações do Sete de Setembro reúnam centenas de milhares de eleitores. Sem uma demonstração real de força no Congresso, nas ruas e vinda da Casa Branca, Bolsonaro começará a cumprir pena fragilizado. Nesse cenário, cresce a possibilidade de nenhum Bolsonaro ser candidato a presidente em 2026.
Na mesma segunda-feira da prisão, às 21h37, o subsecretário de Estado para a Diplomacia Pública e Assuntos Públicos dos Estados Unidos, Darren Beattie, postou no X uma ameaça direta a outros ministros do STF que venham a concordar com Alexandre de Moraes.
“O ministro Moraes é o principal arquiteto da censura e perseguição contra Bolsonaro e seus apoiadores. Suas flagrantes violações de direitos humanos resultaram em sanções pela Lei Magnitsky, determinadas pelo presidente Trump. Os aliados de Moraes no Judiciário e em outras esferas estão avisados para não apoiar nem facilitar a conduta de Moraes. Estamos monitorando a situação de perto”.
Mesmo ao longo da Operação Brother Sam, às vésperas do golpe de 1964, não se assistiu a uma intimidação tão explícita dos EUA contra o Brasil.
Na manhã seguinte, terça-feira (6), os líderes bolsonaristas no Congresso se reuniram para planejar uma reação. Por sugestão do deputado pastor Marcos Feliciano, decidiram ocupar as mesas da Câmara e do Senado e impedir a reabertura dos trabalhos do segundo semestre. Se aproveitando que o presidente da Câmara, Hugo Motta, participava de visitas às obras de um hospital em Patos, sua cidade natal na Paraíba, os deputados bolsonaristas deram início a um motim: só permitiram a abertura dos trabalhos legislativos se Hugo Motta concordasse em votar a anistia para todos os envolvidos na tentativa de golpe (incluindo Bolsonaro) e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, colocasse na pauta o impeachment do ministro Alexandre de Moraes. Ironicamente, eles batizaram a agenda de “pacote da paz”. Por dois dias, o Congresso foi sequestrado pelos baderneiros. O caos terminou com uma humilhação sobre o presidente Hugo Motta e a promessa de votação de um projeto de anistia que, no limite, pode livrar Jair Bolsonaro da prisão.
À colunista Bela Megale, do jornal O Globo, o terceiro filho de Bolsonaro, Eduardo, afirmou que atua para que os EUA aumentem as sanções sobre o Brasil após a prisão domiciliar do pai. “Estou levando a prisão ao conhecimento das autoridades americanas e a gente espera que haja uma reação. Não é da tradição do governo Trump receber essa dobrada de aposta do Alexandre de Moraes e nada fazer. O que eles vão fazer, eu não sei”.
Na mesma entrevista, Eduardo Bolsonaro voltou a ameaçar Hugo Motta e Davi Alcolumbre caso não cumprissem as pautas exigidas pelos bolsonaristas. “Uma vez que não é pautado o impeachment do ministro Alexandre de Moraes no Senado, uma vez que o presidente da Câmara não pauta uma anistia, eles estão entrando no radar das autoridades americanas. As pessoas que estão em posição de poder têm responsabilidades e estão sendo observadas pelas autoridades americanas. Todos eles estão no radar. (…) Os meus planos aqui são: ou tenho 100% de vitória, ou 100% de derrota. Ou saio vitorioso e volto a ter uma atividade política no Brasil, ou vou viver aqui décadas em exílio”.
Na quinta-feira (7), às 10h08, o site da embaixada americana em Brasília republicou em português a ameaça do subsecretário Darren Beattie.
Às 14h25, o governador Tarcísio de Freitas foi visitar Jair Bolsonaro. Eles conversaram por quase uma hora e, de lá, Tarcísio foi à residência oficial do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, para uma reunião com os governadores de Minas Gerais, Paraná, Goiás, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Santa Catarina e Amazonas _ todos de oposição ao governo Lula. Originalmente, eles foram a Brasília para uma audiência com o vice-presidente Geraldo Alckmin, que lidera as negociações brasileiras sobre as tarifas americanas. Depois da prisão domiciliar de Bolsonaro, preferiram uma reunião de duas horas só sobre política.
O consenso da reunião foi um discurso público que culpa Lula pelas tarifas de Trump com uma ou outra crítica pontual a Eduardo, ignora a interferência dos EUA e defende a anistia ao ex-presidente como única saída para pacificar o Brasil.
O consenso da reunião foi um discurso público que culpa Lula pelas tarifas de Trump com uma ou outra crítica pontual a Eduardo, ignora a interferência dos EUA e defende a anistia ao ex-presidente como única saída para pacificar o Brasil.
Na saída, Tarcísio deu um verniz institucional às ameaças da embaixada americana e defendeu a votação da proposta da anistia. “O Congresso Nacional tem que ter autonomia para legislar sem pressão. O Congresso pode atuar nessa desescalada, e os parlamentares precisam ter tranquilidade”, afirmou Tarcísio, sem mencionar a quais pressões os deputados e senadores estariam submetidos.
No sábado de manhã (dia 9), o subsecretário de Estado, Chistopher Landau, reuniu num post no X a coleção de mentiras de Eduardo Bolsonaro para aumentar a pressão contra o Brasil:
”Esta pessoa destruiu a relação historicamente próxima do Brasil com os EUA, entre outras coisas, tentando aplicar a lei brasileira extra-territorialmente para silenciar indivíduos e empresas em solo americano. Portanto, nos encontramos em um beco sem saída onde o usurpador se esconde no estado de direito e os outros Poderes insistem que são impotentes para agir”.
Embora o pivô do pior momento das relações entre Brasil e EUA dos últimos 50 anos e autor de chantagens explícitas contra os presidentes da Câmara e do Senado seja Eduardo Bolsonaro, o subsecretário se referia a Alexandre de Moraes _ mais uma demonstração do comprometimento do governo Trump com a causa dos Bolsonaros.
As próximas semanas serão tensas. Assim como o bolsonarismo passou meses buscando alternativas para anular a eleição de 2022 e impedir a posse de Lula, agora há um esforço coletivo para intervir no julgamento do STF, retomar os direitos políticos de Bolsonaro e zerar o jogo das próximas eleições.